Os
muros estavam gelados, a pele quente, fumaça doce, vários goles.
As vozes foram ficando altas, risadas longas, o fio da calçada parece
aconchegante, frio e a pele suando. Muita gente. E a tua ausência.
Tudo estava equivocadamente colorido demais, os sons traziam aquela sensação de
estar em qualquer outro lugar, a sós, sem olhares, sem corpos em volta, sem
mãos. E trazia a sensação de que a qualquer momento tu irias aparecer na minha
frente, me carregar no colo e finalmente me acolher nos teus braços. Aqueles
outros braços não me serviram de nada. Eu já estava exausta de caminhar e
procurar um sorriso igual ao teu.
Mas aí veio a fumaça. Garrafas coloridas e músicas tristes. Tudo triste demais.
E eu alegre além da conta. Além de tudo, apesar de tudo, por causa de tudo, eu
queria ficar mais alegre que o resto das pessoas e pular. Sons altos,
movimentos fortes me fazem esquecer de ti as vezes – ou esquecer de tudo duma
vez.
As pessoas fazem certas coisas para sentirem que estão vivas, e quando fazemos coisas por que é melhor do
que só estar viva?
Grades, escadaria, flor rosa. Lembra da vez que tu me trouxe uma rosa? Eu a
deixei em cima do muro esverdeado para pegar sol. Ela morreu. Mas naquela noite
tudo estava rosa.
As pessoas usavam preto e eu era a única vestida de roupas claras, e, meu amor,
tu lembras que eu odeio usar roupas claras né?
Bom, eu fiz várias coisas que odiaria fazer antes. Antes de tu ir embora.
Cada canto esverdeado me lembrava de teus olhos, nossas vozes juntas e as mãos
dadas sobre a calçada. Tudo está concreto demais. Da última vez tudo flutuava.
Mas era um apagão flutuante. E eu revivia nós dois, teu sorriso, o som da tua
risada quando faz alguma piada que eu não acho graça, o jeito que eu ficava braba
contigo – porque só contigo eu ficava braba daquela forma tão suave – o tom da
tua voz quando me prometia amor, os nossos planos. Um soco no estômago. O
momento que eu lembrei que dia seria hoje. Lágrimas. Desespero.
Eu não me lembro, mas eu sei que senti muita dor, muita angústia e que minha
maquiagem escorria pelo rosto. Lembra quando tu seguravas o espelho pra eu
passar rímel? E dizia que eu já era bonita sem precisar de muito. Algo que eu
não sou agora é bonita – por dentro e por fora.
Risadas altas, gritos, abraços, nenhuma
dessas pessoas é tu. Desculpe, eu não estou mais sendo efêmera e sublime,
desculpe a falta de jeito para falar da gente, mas eu também não estou sendo
compreendida. Cansei. Lembra como tu
realmente me entendias? Bem, meu amor, eu queria ter te entendido, me
entendido.
E aí eu estava caminhando e não sabia o que tinha acontecido nas últimas seis
horas. Porque eu estava entretida imaginando nosso tempo, nosso “para sempre”,
relembrando o que as luzes e cores não me trouxeram. Por que eu esperava que te trouxessem de volta?
A garrafa esvaziou e a rosa murchou. Ainda sinto o círculo de prata em volta do
meu dedo.
Eu tentava me centrar em qualquer cor que me lembrasse de algo real, algo que te
lembrasse, porque nós dois fomos reais. Isso, agora, não me parece muito real.
Pra mim nem sequer aconteceu.
Eu nunca me senti tão sufocada, desorientada e com frio como aquela noite. Tudo
era forte e alto e falso demais. Inclusive a tua ausência, mas essa é
verdadeira.
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