quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Primeiro poema

A alma que perdera o gosto
Gostou de si ao desabrochar em flor
Que perdera pelos caminhos verdes-escuros
E nunca mais havia de ter a dor – não de dentro mas de fora
Que os olhos insistem em demonstrar
E transformar em água doce
Que salga a ela mesma quando chora
Por ter pedido o gosto e o sonho
Primeiro o sonhos, depois o gosto adocicado
Não haveria de sentir mais dor adentro e sim uma falta
Pois não tivera mais os frutos e nem as flores
Mortas, estas não vêm mais
E nem visitam os passos e a alma
A primeira alma e o primeiro passo de todos os tropeços
Quando o gosto salgado se torna doce

na lágrima corrida – não de fora mas de dentro do peito 

domingo, 8 de setembro de 2013

Lado dos cílios

De que lado se mede o comprimento dos cílios? E se os inferiores fossem maiores que os superiores? Seria mais fácil ficar de olhos abertos, e um choro muito mais do que uma lágrima teria menos peso, não seria como carregar um pedra ou uma cadeia rochosa inteira dentro do peito, atrás das maçãs do rosto, tortas e inclinadas a baixarem-se até os cantos da boca. Chorar nunca teria sido tão leve, tão fácil.
De qual mão deveríamos pegar a mão do amado? De qual lado o âmago efêmero de se acariciar seria mais fácil? Poderia acariciar os cabelos com as duas mãos, e as duas mãos terem a linha da minha vida inteira. Não somente uma, não somente metade. Não somente uma lua cheia seria admirada, mas aquela minguante que ilumina e abraça as folhas secas nos galhos mais altos, e estas para caírem ao chão teriam que pedir licença para a lua nova. E a linha de vida se formaria nas duas mãos, pois com as duas carregamos o mundo, carregamos um punhado de pedras para jogar nos rostos de vidro e na dor mais a frente.
Com as duas mãos, trancamos a janelas, arrumamos a cama e estendemos os lençóis sobre as flores que colhemos, com as duas mãos. E apenas uma tem o espinho trancafiado entre a linha da vida e a linha da fortuna, fortuna essa para quando morrermos, sobre a pedra gelada e a terra úmida serem perfumadas com um aroma de quem viveu uma vida inteira pela metade, como a linha da vida na mão contrária. Ou será a mão certa viver pelos meios fios, e pelos orvalhos, mas não pela chuva?

De qual lado dormimos a noite inteira? Existem dois, três, quatro lados e nenhum desses me aquece na penumbra de quem já morreu várias vezes. Num altar, numa igreja, numa cama, que eu arrumei com minhas duas mãos, adormeci de um só lado. Não existem um par de cada verso da história, nem dois trechos contrário em um poema. Existe um soneto, um lado, que relata melhor a história de morrer de amor e de medo. Não são dois sentimentos distintos, são os lados que escolhemos para ver a linha da mão. O cílio superior nos deixa esconder os olhos e a fuga se faz no primeiro olhar de paixão, debaixo das maçãs do rosto, num sorriso quase morto.