sexta-feira, 11 de julho de 2014

Quando as flores morreram

Flores com pontos pretos destacavam seu amarelo com fundo alaranjado de quem se decepcionou, mas quis mostrar toda sua força, cor de fogo. Cor de pele sem cheiro, apenas faíscas. Na superfície das mãos, a parte esbranquiçada inferior do braço, havia a queimação de quem não sabe lidar com o arrependimento, mas guarda os gritos com tal carinho com que acaricia os arranhões. E nas flores há um pingo de querer ter amor. Foi amor quando ele lhe deu tal presente?

Talvez tenha sido uma última faísca de amor endurecido. Quando as flores finalmente morreram frente a vidraria que retratava o último pôr do sol de um amor perdido, se fez calma, e decepção por ter sido tão fácil desamar. E tanto havia ainda desse amor na casa, nas paredes, no sofá e no cheiro de inverno. Amores de época que se misturaram, dançando em pleno céu vazio, fundiram-se neste vaso de flores, mas não havia mais gelo para derreter. E para que servirá o fogo, quando não existir mais frio?
As flores mesmas estavam sobre o piano que tocaste no último concerto, quando tentaste concertar sua amada, e ela fugira. E as flores, quando finalmente caíram ao chão foi branda tal choradeira que te jogou ao mar, afogado, morto, não havia dor. Pois a morte externa é menos dolorosa que a de dentro.



E em outra sala ele te mandou tais flores amarelas, colocaste sobre a mesa vermelha, chovia. E os pontos pretos destacavam agora os pingos transparecendo a rua, transparente, atraente rua fria, porque o calor aqui de dentro enforca qualquer um que desamara. E desamarraram todas as fitas, os nós, os laços, e desprendeu do arrependimento de ter desistido. Para que servirá o arrependimento quando não existir memórias?
Quando ele finalmente bater a porta, as pétalas se desfizeram, uma a uma, todos os pontos foram colocados em seus lugares, e o vidro quebrou. Libertou para o frio de quem não se sente segura no morno, no quase, na borda. Ou transborda ou esvazia. Ou morre ou murcha. No instante então que as flores morreram, destacou-se o perfume, e deixou no vento a decepção de um amor que esfriou lentamente e não se fez mais preciso. De que servirá a paixão quando não existir inverno? 

Fuga

Tentaste rasgar todos os mapas, todos os pergaminhos, tentaste queimá-los, por quê?

Não havia mais necessidade de tempestade, tal leveza que tanto demorei a conseguir não vale o risco de perder o eixo novamente. De perder meus olhos da linha do horizonte, por ora, não a confundi mais com a linha do muro, naqueles tempos de morte e medo. Não guardarei nenhum caminho de mim que me levaria a qualquer ponta de dor, de desespero, de lembranças tortuosas, nem de amor. Porque todo meu amor é turvo e trepidado.

Não há sentimento que não seja turvo, já é difícil enxergar à noite, por que teimas em enxergar na névoa de dentro da gente?

Esta é a inquietação. Não há névoa, não há escuridão. Eu vejo claramente todas as minusciosidades em que guardo, todas as memórias trancafiadas e arranhadas pelos tombos, estão sob a luz do não esquecimento. E eu relembro, e me despenco em rochas, até me levarem para as ondas turbulentas. E eu caio em desespero de não esquecer, e de entender quando amo e quando não o faço. Quando sinto saudade e quando não a sinto. É algo perturbador ver cada caminho ínfimo para cada ponta das espadas que tanto lutei para esquecer, para deixar, para tal perturbação íntima não me atingir na superfície dos olhos. Para não relembrar cada caminho que me leva ao sufocamento de quase morte. Os perfumes que me apaixonei no passado se tornam éter que me matam quase que inteira quando adentro caminhos atrás do peito, guardador de meus medos e apaixonadas tempestade são os mesmos que me atiram contra os paredões de mim. Um homicídio no íntimo da gente.
É um lugar, ou cheiro, ou voz, mas é algo de que fujo. E eu não posso rasgar algo assim, a não ser queimar os caminhos e deixa-lo no fundo, nas paredes de mim, nos cantos da boca, atrás dos cílios, dentro. Escondido. Para não desfigurar meu equilibro. Não me importar ser feliz ou triste, ou apaixonada ou fria. Importa o vidro com a água do mar gigantesco, parada, calma, sem uma onda, uma ponta de quebradiça, este vidro que guardo é meu espelho do presente. Calmo, parado, sem transtornos sentimentais de não saber amar ou não saber viver. Porque eu não sei viver com lembranças tão vivas, tão teimosas e mais fortes que eu.

E então não sabes lidar com sentimentos que movem, fisicamente, e nos levam de nossa calmaria?


Não. Nunca soube.