terça-feira, 22 de setembro de 2015

Cheiro de folha molhada sobre a pele

Líquido avermelhado sob a luz esbranquiçada do que foi uma pele trazia um ar
quente – da manhã em dias de solstício – e eu voltava para aquelas árvores
coloridas, com frutas adocicadas vibrantes demais para alcançar. Meus olhos
estavam cor de maçã. E a maçã do meu rosto era pálida, abafada, um ar familiar,
mas nunca sentido antes. Tudo muito semelhante a qualquer gosto de noites
anteriores, e os sons, as vozes, as mãos formigando.
E então eu esvazio a mente, não há pensamentos, há uma grande nuvem de sol que
não se move. Sem palavras. Nada escorrendo pelas minhas mãos, nada para relatar
nem contar às pombas do prédio laranja – eu deveria parar de olhar tanto para
aquele prédio. Quem sabe os pássaros da casa azul da frente tenham algo para
dizer, talvez eles voejem e tragam um pouco do seu cheiro de cigarro no paletó,
misturado com perfumes franceses.

Desculpa pela demora em escrever, eu estava ocupada esvaziando uma garrafa de
vinho e chorando algumas mágoas. Mas pensei em ti. E senti falta da tua voz
enrouquecida de quem vivera muitas batalhas e já disse muito. Queria ter oito
anos e estar sentada na poltrona da tua casa ouvindo as histórias espantosas
que me prendiam atenção naquela casa gigantesca e vazia.
Em um mar de nada eu flutuei algumas vezes ainda, presa, e solta, depois presa,
e solta. E não havia que eu pudesse fazer, e nem queria. Braços me levam e me
rodeiam pelo que algum dia foi pedaços de mim, hoje só resta o cabelo preto e
as pernas cansadas. Mas eu vou refazendo o resto do meu corpo. Vou deixando a
água quente cair no rosto e peito, o vento levar alguns fios do cabelo, levou
um pouco da indecisão do meu sorriso também. Agora eu sorrio mais largo, já
deixei doer e já nem me importo mais se abro portas para mais mariposas.
Galhos com duas pombas balançam sobre a minha cabeça, eu olho a sintonia que as
folhas secas do outono cantam, porque eu as enxergo, se tocando e raspando,
trazendo aquele som de estilhaços delicados. E mudam de cor. São laranja e
escuras, depois laranjas e escuras de novo. Vão oscilando da mesma forma que eu
oscilo entre a sobriedade e a calmaria. Engoli-me em sublime euforia de não ter
sido eu, agora eu me tornei cabelo preto, flores brancas, vestida de dia
primaveril chuvoso, com aquele cheiro agridoce de folha molhada sobre a pele