quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Olho e alma



Há entre os olhos e a alma, entre as cores e esses cheiros sórdidos e gastos, há luz, e espectros de dor entre a retina e a mente. Entre os olhos e a alma existe um abismo e um tênue desespero de existir somente um. Entre as árvores, no fundo do corpo, na parte superior das costas, atrás dos olhos, naquelas cores inimagináveis, no lilás de uma lágrima que colore os lábios, no gosto adocicado que tem o cheiro de manhã acinzentado, há sombra. Nas lágrimas que se transbordam e se afogam na orla dos olhos, se deixam cair para a alma, e nossas mãos seguram o grito, prendem o sonho mais triste e eu guardo minha melancolia de contos com finais trágicos. Aquela melopeia de madrugada, enquanto o olho relata à alma o passado escondido, o passado que não vivemos, e aquele roubo que já sentimos o cheiro. E se faz delirar, chorar, sons e imagens febris vem para a cortina escura dos olhos e estes exclamam dor. Faz-se, também, alegria plena, paz, um olhar escampado. Quando sentimos os gosto de fruta mordiscada, açucarada, molhada em lágrima agridoce de uma despedida breve e datada.
Na pele aveludada, cílios molhados e cerrados, a alma se refaz se recria, e cantarola, trancafiamos os pensamentos daqui e dali, tentamos ver, abrir os olhos e então, somos forçados a ver sem enxergar, a sorrir com a alma, permanecer, pertencer ao sonho de uma dor adormecida amarelada. E é refulgente, dói nossa sensibilidade não sentir, arde no nosso olho não falar, e machuca demasiadamente não conseguiu sentir, cheirar, enxergar, somente cerrar e deixar a alma derramar seu desabafo caloroso no quiriri da noite.
Há entre os olhos e a alma uma confidência, uma chave não descoberta, e um algo mais abstrato, invisível. E minha alma se refaz nos meus olhos enquanto estes adormecem, materializa-se em um lugar arbóreo, com fruta colorida e cheiro que se vê no ar, o lilás de uma lágrima que colore meus lábios.

domingo, 4 de novembro de 2012


Ninguém notou o besouro no canto do quarto, suas asas eram tão belas! Esses seres pequenos voam tão longe, tão alto, tem as asas duras e quase inquebráveis, enquanto nós temos as lágrimas penduradas nos olhos como orvalhos em folhas verdes. Queremos ter cores, admiramos a borboleta, mas ninguém viu a mariposa atrás da porta, escutando nossas exclamações na beira da cama. Aquela pequenina com asas que sabe de nossas confidências e relata nossos trechos de lágrimas. Aquele zum-zum em dia de sol, em dia de dor, que tanto reclamamos, e despencamos ao ouvir um ato de despedida. O besouro voeja, pousa nas flores e nos posamos no travesseiro encharcado de penúria e penas. Seu élitro o carrega, o protege, enquanto esquentamos nossas mãos raspando uma na outra. Não fugimos, não voamos, não somos coloridos e ironizamos o sofrimento. Inveja tenho da mariposa que gargalha da nossa pouca esperança atrás da porta!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O melro e a libélula

A libélula mora em uma caixinha de música. Toca piano e dança no espelho. Gira e gira. Acordo com a tampa da caixinha aberta e seu canto melódico, como um melro perdido no céu espelhado. Vê a si mesma e chora, canta e conversa com o piano, vê suas asas frágeis e inveja o canto da cigarra liberta lá fora. Apaixona-se pelos pássaros, amor trancafiado.
Pobre libélula que vive presa entre lembranças e sopro de vida. És pequena tu, libélula, mas quão grande é tua alma! Afaga as feridas alheias e expõe as suas asas na luz da noite.
Dor também tem reflexo. As lágrimas são espelhadas.
Nunca havia visto a mim mesma com tanta claridade, há luar. Os galhos dançantes derrubaram meus pássaros, a libélula perdeu seu amante. Aquele melro perdido ouviu seu canto enrubescido e veio ao encontro dela. Ambos voejavam, num mundo monótono, a libélula aprendera a crescer a partir de seus medos. Meu amor morreu, mas havia outras reticências  o melro e a libélula enlaçaram-se, e eu me apaixonei pelo seu eufemismo sobre a vida.