sexta-feira, 25 de maio de 2012

Estampa


Tinha uma estampa florida, e as flores mudavam de acordo com a cor dos olhos castanhos, quando se misturavam com os verdes. Era retalhada de melancolias e alguns medos passageiros, chuvas torrenciais inundaram seu coração por tanto tempo que o sol custou a enxugar os panos velhos e desbotados. Os panos, os olhos, a alma, todos maltrapilhos e cheios de borrascas de estações passadas. Mas a sua estampa era colorida, rosas, bromélias, lírios, girassóis, e algumas outras flores mortas, mas as de botões pequenos escondiam-se por detrás do sofrimento de uma lamúria. Tantas noites em claro bordando e costurando corações, gastando tinta para escrever a lápis todas as dores e amores perfeitos que perderam as pétalas.
E escrevia sobre flores, relatava aquele vermelho sangue das rosas, mas nunca escrevera sobre os alicerces de seu divino ato de cheirar os dias chuvosos. Tão embriagantes estas palavras jorradas com toda força para sua pele branca, já cicatrizada de tantas outras jornadas. Pois se fez de guerreira para defender o pranto e segurar as lágrimas, mas a chuva sempre cai. Os dantescos trovões sempre trovejam e gritam, expõem a culpa e deixam as rosas murchas. Tudo culpa das rosas, tão lindas e tão espinhentas. Por que, moça, tem tantos espinhos por debaixo dos cabelos?
Retalhe suas colchas de algodão, bordadas de borboletas negras, e deixe as flores para lá, elas murcharam, e as borboletas são livres para ir embora. Não as deixe presa em vidros puros, não deixe preso seu masoquismo em ampolas, elas quebram e se os outros não sofrerem, quem irá machucar-se? Quem irá ferir? Pois mesmo as rosas mais esbeltas arrancam pingos de sangue, e a dama da noite que floresce na escuridão tão temida, vive solitária choramingando para a lua.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Cheiros

Veio o cheiro do crepúsculo, do frio no final de maio, do sol dizendo adeus. Veio o cheiro das flores mortificadas, das luzes sendo acesas, das mariposas voejando, veio o cheiro desse último dia em que minha alma calou-se por horas. Chorou muda. Eu entorpeci meus olhos de lágrimas perfumadas, de um odor pouco adocicado. Essa brisa trouxe cheiros que não queria cheirar. Quem dera fechar os olhos e nariz, adormecer por uma noite e cavalgar nas nuvens de dias tão sofridos, olhar lá de cima, a decadência de esperança. Está cinzento, eu sinto o cheiro das cores e ouço uma melodia, uma voz. Tão dantesca tarde de outono, tão triste sepultamento. Tão aterrorizante esse tempo que voa. 
Veio-me um cheiro de passado, de futuro, e eu não consigo enxergar o presente, não enxergo faz um tempo. Ceguei-me por culpa das borrascas que tanto me amedrontaram, pelo frio arrepiante, pela inocência de uma criança que chora. Pois não quero enxergar o sofrimento de almas são puras, as asas quebradas de um pássaro novo, o borbulhar de pesadelo na superfície de um dia de sol. Me deixe cega, roube meu olfato. Meus alicerces não resistiram ao cheiro de primavera morta, nem de inverno passado, não me deixe sentir o gosto do outono. Tempo, tempo, tempo, autor de toda essa melancolia e pesar, por que voejas tão rapidamente? Me tortura essa nostalgia tiritante que vai e volta, durante esses dias, essa época de pranto, esse cheiro de dor. 
Minha alma se imbuiu de tempo, de dor, de cheiro, de passado, de todas essas narrativas torturantes. Perdeu o hábito de amar, e perdoar. Minha alma cansou dessas dardejadas dolorosas de anos corridos e décadas trancafiadas em mármore. Veio o cheiro de lassitude, e esse meu refúgio estancou no passado. Veio o cheiro de noite trovejante, cheiro de céu escuro amarelado, o papel encolheu-se e eu cansei de escrever. Vou adormecer e sentir cheiros de mim.