segunda-feira, 31 de março de 2014

Pretérito

Vieste me visitar ontem à noite e não deixou fagulha alguma de sua presença. Nem cheiro, nem som, nem voz, nem olhos. Apenas aquela cor esbranquiçada da sua pele e os traços de tantos passos mal feitos, um tom de arrependimento. Arrependimento desses que a gente leve com calma, como se ele dissesse “é passado”. E nesse pretérito com que falamos de ontem e do segundo atrás, que tu usaste há tantos anos, eu aprendi a usar o presente como futuro, e o meu passado não é mais pretérito, mas sim aquela nuvem que demora eternidade para ir, para cobrir o sol e para descobri-lo de novo.

Por que não deixaste lembrança?

Eu penso tanto, quase imploro para que dos meus olhos saiam lágrimas ou alguma palavra que traga a paz e aquela foto nossa. No sofá xadrez, ao lado de pinheiros e junto com os pássaros, naquele dia, naquela época que eu não sabia que tanto iria querer torna-la presente.
Mas a visita foi rápida, e eu mal lembrava como era escrever à noite, relatar o escuro e o silêncio - de fora da gente, claro.
A tempestade de ontem à noite, antes da sua presença – no pretérito agora – que trazia uma paz preta e branca, no horizonte que em milésimos se fazia laranja e após o sépia de quem chorou e amou sofrer, me trouxe uma saudade desse inverno que está por vir, que está presente no meu futuro, futuro de dentro de mim, que eu inventei e recrio todas as estações.

Acabou aqui a minha saudade, quando o cheiro da fumaça do cigarro congelou na frente do meu rosto nessa manhã e eu não tive mais memória para relembrar de alguém que veio ontem à noite. Acaba aqui a minha inspiração de hoje e o meu presente – no pretérito de quem morreu agora.


Da próxima vez, deixe uma carta.