segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cor de lua

Ontem à tarde vi um velho amigo pintar sua alma, ele tinha um sorriso belo, e exalava alguma ternura por mim. Creio que foi pelo meu olhar entristecido caindo pelo meio-fio da calçada, ou pelos cantos da boca enrijecidos em pranto. E ao fitar aquela alma pintar-se inteira sente vontade de colorir-me também, tapar as borrascas, as feridas na minha estampada pele branca. Pintaria de verde meus olhos, e de amarelo minha alma. Roubaria um pouco de arco íris do dia chuvoso e pouco de azul da casa ao lado. Seria feita de tempestade e mar. Embora tenha mais tempestade do que céu claro dentro de mim. Ah... Que esbelta estampa seria minha alma se tivesse metade das flores que pisoteei pelo caminho!
Lembrei-me do velho amigo que tapava suas marcas, não sei de velhice ou de vida sofrida se eram, mas eram grandes, e profundas. No instante em que ele pincelou de azul celeste seu coração, senti uma ponta de nostalgia pelo inverno passado que fora tão longo, e me pintou se rosa maravilha por toda a estação. Hoje sou retalhada e o rosa desbotou. Corri, fadiguei, rastejei, e pranteei, de nada adiantou. As cores se foram, e o mármore está amordaçado com o cinza escuro que deixei cair junto as lágrimas. Por que derramo cores sóbrias ao chorar? Já nem sei explicar o fato de querer apagar minhas cicatrizes com tinta branca. Por que paz ao invés de ternura? O amarelo é tão mais luminoso, e confesso, o preto me encanta. O plúmbeo do céu me apaixona, a chuva gotejante na rua luminosa me tira o fôlego, e o cheiro de lilás da lua me dá um brilho aos olhos. Por que pintas tua alma, meu velho, se ela é tão bonita nesse mórbido vinil? Deixe-se transparente, os outros olhos gostam de conhecer cores vivas.
E eu já tenho cor de medo, de desespero, de pranto. Já sinto o cheiro do domingo assustado, e da primavera cor de laranja. Pintei-me inúmeras vezes, até cansar os pulsos, de rosa, lilás, amarelo, mas estas desbotam, e eu choro. As lágrimas salgam as tintas e eu não tenho cores. Sou o preto, ausência de cores, não tenho forças para ser branca, só minha pele marmórea que rouba cores dos outros, dos dias, das flores e seca as lágrimas para não correrem pela pintura mal feita. Sou da cor de lua morta.