Lembrei-me do velho amigo que tapava suas marcas, não sei de
velhice ou de vida sofrida se eram, mas eram grandes, e profundas. No instante
em que ele pincelou de azul celeste seu coração, senti uma ponta de nostalgia
pelo inverno passado que fora tão longo, e me pintou se rosa maravilha por toda
a estação. Hoje sou retalhada e o rosa desbotou. Corri, fadiguei, rastejei, e
pranteei, de nada adiantou. As cores se foram, e o mármore está amordaçado com
o cinza escuro que deixei cair junto as lágrimas. Por que derramo cores sóbrias
ao chorar? Já nem sei explicar o fato de querer apagar minhas cicatrizes com
tinta branca. Por que paz ao invés de ternura? O amarelo é tão mais luminoso, e
confesso, o preto me encanta. O plúmbeo do céu me apaixona, a chuva gotejante
na rua luminosa me tira o fôlego, e o cheiro de lilás da lua me dá um brilho
aos olhos. Por que pintas tua alma, meu velho, se ela é tão bonita nesse mórbido
vinil? Deixe-se transparente, os outros olhos gostam de conhecer cores vivas.
E eu já tenho cor de medo, de desespero, de pranto. Já sinto
o cheiro do domingo assustado, e da primavera cor de laranja. Pintei-me inúmeras
vezes, até cansar os pulsos, de rosa, lilás, amarelo, mas estas desbotam, e eu
choro. As lágrimas salgam as tintas e eu não tenho cores. Sou o preto, ausência
de cores, não tenho forças para ser branca, só minha pele marmórea que rouba
cores dos outros, dos dias, das flores e seca as lágrimas para não correrem
pela pintura mal feita. Sou da cor de lua morta.