Chovia, quando voltaste para me tirar toda a tempestade e me
dar calmaria. Marmórea, esbranquiçada, um céu com a cor da tua voz, do teu
veludo, do teu vermelho-paixão pelas minhas palavras. Essas que me fugiram a
cada adeus, e no último, não soube dizer nada além de “vai em paz”, e agora
quem está em paz, uma paz infinda de alguns instantes, sou eu. Porque a
chuvarada lavou minhas mãos, e essas tremiam ontem à noite, não tremem mais.
Estão fortes, endurecidas em volta da caneta, caçando as palavras com a certeza
da tua saudade.
Fazia um calor torrencial, antes da chuva, um medo úmido e
uma insegurança que abafava. E agora chuvisca, e está claro, tão claro quanto
tua pele! Dá última vez que me deste um conselho falou em letras, letras no ar
e nos olhos, e eu as li. Só não compreendo agora se li certo ou errado. Talvez
tenha sido teu sorriso torto que me fez entortar as linhas e entrelinhas, e eu
li o teu abraço de forma estranha. Não sabia que seria o último, mas se
soubesse, teria seguido teu conselho, será?
Chove mais agora, enuviou meus olhos e eu já não consigo tirá-los
do esbranquiçado do céu, molho minhas mãos junto à chuva e passo no rosto,
tentando encontrar o teu. Encontrar alguma dúvida ou algo que me faça ter a paz
de segundos atrás, que voaram e se foram. Lutando contra o meu perfume para
sentir o cheiro da fumaça de cigarro misturado com rosas. Pisei em todos os
espinhos e tu tiraste um por um da minha pele, mas ainda há dor. Há uma dor
misturada com a calma de ter te ouvido baixinho no meu ouvido, quando fazia
frio, e chovia também.
Está trovejando agora
e eu tenho medo, o som da chuva ensurdece a clareza, e aqueles instantes
fugiram das minhas mãos, de dentro de mim. Se eu soubesse que seria o último! Diga-me
outro conselho?