terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Chuva sem nome

Chovia, quando voltaste para me tirar toda a tempestade e me dar calmaria. Marmórea, esbranquiçada, um céu com a cor da tua voz, do teu veludo, do teu vermelho-paixão pelas minhas palavras. Essas que me fugiram a cada adeus, e no último, não soube dizer nada além de “vai em paz”, e agora quem está em paz, uma paz infinda de alguns instantes, sou eu. Porque a chuvarada lavou minhas mãos, e essas tremiam ontem à noite, não tremem mais. Estão fortes, endurecidas em volta da caneta, caçando as palavras com a certeza da tua saudade.

Fazia um calor torrencial, antes da chuva, um medo úmido e uma insegurança que abafava. E agora chuvisca, e está claro, tão claro quanto tua pele! Dá última vez que me deste um conselho falou em letras, letras no ar e nos olhos, e eu as li. Só não compreendo agora se li certo ou errado. Talvez tenha sido teu sorriso torto que me fez entortar as linhas e entrelinhas, e eu li o teu abraço de forma estranha. Não sabia que seria o último, mas se soubesse, teria seguido teu conselho, será?

Chove mais agora, enuviou meus olhos e eu já não consigo tirá-los do esbranquiçado do céu, molho minhas mãos junto à chuva e passo no rosto, tentando encontrar o teu. Encontrar alguma dúvida ou algo que me faça ter a paz de segundos atrás, que voaram e se foram. Lutando contra o meu perfume para sentir o cheiro da fumaça de cigarro misturado com rosas. Pisei em todos os espinhos e tu tiraste um por um da minha pele, mas ainda há dor. Há uma dor misturada com a calma de ter te ouvido baixinho no meu ouvido, quando fazia frio, e chovia também.


Está trovejando agora e eu tenho medo, o som da chuva ensurdece a clareza, e aqueles instantes fugiram das minhas mãos, de dentro de mim. Se eu soubesse que seria o último! Diga-me outro conselho? 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Eu, a saudade e os óculos

Ah, se eu pudesse tirar de ti algumas lágrimas pra pôr em meus olhos, se eu pudesse te ter aqui em mim.

São quase duas ou três, mas foi na primeira hora que me senti forte, nas outras vinte e três houve fraqueza, e então nada. Uma escuridão que esclarece tudo: nada. Nada ouvi, nada procurei, apenas meus óculos e um cigarro velho, que guarda algo de mim da estação passada, onde havia mais vazio, mas um vazio preenchido e remexido na fumaça com perfume de alguém que sorrira pela última vez. Agora os encontrei embaixo da mesa, jogados, e as lentes me contaram o quanto eu escrevera quando estava triste, e o quanto havia sido aplaudido meu roteiro, melancólico, cheio de lágrimas. E agora, que as lágrimas secaram? Não há nada para transbordar. Desvencilhei de mim meu próprio escafandro e agora o perdi nas retundas indecisões de dois dias.

São tantos números e inúmeras palavras que nem sei de mim, aliás, há muito já não sabia, mas foi neste espelho que vi um reflexo sem lágrimas, sem nada. Apenas no aguarde de algum orvalho, que seja, para virar o copo, molhar os óculos e lavar as lentes: esquecer o que vi pra pensar no que vivi.

És cheio de ti, aqui dentro, quando não vejo eu mesma, mas nada de mim, nenhuma ponta, nenhum sinal de que ainda há algo trancafiado, que eu escondi pra não perder e acabei perdendo, como uma saudade. Saudade essa que eu queria curar, mas ao virar eu pego pra mim, pelo menos esta restou! Então não há mais nada, há uma nostalgia e uns óculos que não ajuda: grau muito alto de desesperança. E eu vou aprendendo no escuro a ver a clareza de mim, essa que outrora talvez estivesse embaixo dos meus olhos, mas a teimosia se encarregou de me tirar todo o reconhecimento. E agora sobrou um resto de mim, os óculos e muita saudade!

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O céu do teu rosto

Como uma voz de quem quer falar baixo mas dizer bem claro, ele disse o quanto seu rosto lembrava um céu cor-de-rosa, que todos os seus tipos de sorrisos se abriam entre constelações.

E ela se fez de céu, primeiramente da boca, molhada e recém-beijada, que espera pelo toque para depois estremecer em estrelas, e dançar por dentro da pele, dentro da noite. Num céu dela, somente dele, que os fez em constelações e universos inversos, que se eclodem nas mãos juntas, os pulsos sobre postos e os corpos esfarelados em pó de céu. Esse mesmo céu que, por segundo, se fez do rosto dela, o manto dele, para proteger e acalentar, passear pelos olhos em forma de lua, cinza, cor de olhos apaixonados. Porque são transparentes, cinzas, nada cor de rosa, porque choram, e nada de vermelho, porque já deixaram de ser chama, são apenas espelhos, dele que se reflete.

E disse bem alto, desta vez, que de todas as luas cheias de todas as semanas, a sua lua minguante era a preferida, que bastava, porque o amor não basta em si, nem no outro, mas basta a lua e um céu fantasioso para se criar fantasias, no mesmo céu em que se choraram prantos. Lindos prantos, porque nada dele não era dela, nem mesmo as lágrimas, nem mesmo a boca, nem o céu.


E o céu fez lembrar o rosto dela, os olhos tinham as imperfeições da lua, e eram completos nele, na sua própria constelação. Porque os teus olhos se esparram nos meus a cada lua cheia.