O som que não era uma
sirene de desembarque – mais parecia um pássaro a cantar o falecimento do dia –
a despertou, e então as toneladas de chumbo se fizeram existir.
Não flutuava mais, e as águas tormentas e bruscas a jogaram
para a beirada da sua vida, em que decidira não viver, mas existir somente,
como folha que caiu e ficou na terra molhada, ali, simplesmente caída.
Não havia dúvida de que o navio iria afundar, e não entendia
qual seria a sua vez de pesar no mundo, ou do mundo pesar em si. Nos seus
braços, nos ombros, na boca, nos olhos. Não havia dúvida de que iria naufragar
junto ao navio e aos seus inúmeros ferros e chumbos, e nuvens, e ondas. Tantas
ondas e tanta vontade de morrer havia de ter tido durante toda a vida.
Mas o sol estava alto a pino, e a âncora bateu no fundo do
mar, no fundo das suas intermitências e dúvidas de como não morrer de vontade
de morrer. Agora havia dúvida cruel de como contar aos pássaros e aos outros
navegantes que haveria de afundar.
Tão leve menina, tão
magra, tão linda e doce, como haveria de ter um fim desses? – Diziam todas as
vozes que não sabiam o quanto de chumbo carregava esta.
E a cada gota de todo o oceano que se salgava ria nas minhas
costas. Era uma ânsia de querer ter a certeza, porque a pior sensação é de não
saber-se afundando ou em terra firme. Mas então deixaria que o navio por si só
afundasse suas toneladas de angústia, medo e raiva da vida.
Haveria de ter a certeza de um trágico naufrágio. E na
autópsia da menina doce havia pesos e pesos de não saber como viver, alguns
pedaços de medo de não saber-se morta, então. E peso do chumbo do navio nas
suas costas.