Sorria para os lábios os quais provam o sabor adocicado das
lágrimas, do sal das lágrimas, do verão das lágrimas, e desse inverno fora de
época. Dessa angústia fora de época, pois as folhas de outono também tombam na
primavera e secam dentro da gente, a alma seca. Saibas criança, que não é
passageiro, não é um ciclo, nem uma linha, são as mãos tortas. E sentimos mais
frios nos dedos dos pés. Cubra seu rosto, e deixe-se choramingar pelo quarto,
sim faz frio, minha criança, mas há tempestade mais forte e relâmpagos que
cegam. Criança, essa lassitude não irá tirar seu sono, está tão cansada que não
cerra os olhos, faz nos punhos, e luta. Dardejou o próximo tanto quanto
apedrejou a parede, e este próximo era seu companheiro, era sua alma gêmea, que
você deixou escapar. Sabias criança, que a angústia é alicerce para o drama na
madrugada e no quiriri da noite? Sabias que o idílico lar onde habitou não
existe mais? Ele não será o mesmo nem em suas póstumas memórias, nem nos seus
sonhos dourados, que nunca existiram. Pois você nunca sonhou dourado, criança,
já sonhou lilás e branco, talvez um laranja-outono.
Se banhe de pranto e plúmbeo, partituras de um violino
quebrado, e de uma alma quebradiça. Se deixe, e voeje alto, no adormecer abra
os olhos, chora e fadigue pelos escombros de um sentimento não reconhecido, ora,
ninguém nunca reconhecera um pedaço de mar sem sal! Deixe os olhos vazios, e a
boca aberta, irá espantar-se com o escândalo de choro e desalmados que
chegaram, e quando tentares rezar, esquecerá ou o medo, ou a reza. E não tenhas
medo, nunca tenhas medo. Sinta dardejas, cárceres, desamparos, mas que não haja
medo. Sorria para ele, o abrace, e o deixe ir embora, deixe os cílios molhados
e rabisque as mãos tortas. Em algum âmago seu, irá sentir as pinceladas de
ventania misturada com ternura.
Ah... Pobre criança que balançou seu desespero e o
acariciou, pobre pomba que se gelou o coração e escondeu-se no alcáçar desprotegido
de um mártir. Não sintas frio, não se arrepie, nossas costas conseguem carregar
mais do que nosso coração pode suportar, e carreguemos nos ombros a dor de um
dia friorento, de um cobertor rasgado, de um café sem açúcar, de um amor sem
flor, e de uma noite sem dialogo. Saibas, criança, que a tristeza porvindoura é
ameaçadora, ora candura, ora sicária, mas ponha um chapéu, cubra os olhos, e
não se esqueça da ponta dos pés.