Todos os dias. Todas as noites. Todas as tardes. Todos os
crepúsculos. Era rotineiro, era cedo e era tão novo, tudo tão inesperado quanto
desacostumado. E estranhamente tão clichê, quanto à própria palavra clichê, tão
quanto seu significado, “clichê”. Nem era cor de musgo, nem era do muro, nem
rebuscado, e não havia laranjeiras e horizonte, era uma longa parede que dava
impressão de parecer infinda. Vasta, vaga e tão verde, tão clara, tão
confidencial a todos os meus olhares que a lancei, trancafiando alguma dor e
muita lágrima com certa ponta de não-saber-o-que-sentia, do buraco, da cova bem
cavada a fundo, de repente. Tinha um cheiro fúnebre que vinha da cor clara, um
verde meio água e meio rio, da minha lágrima.
E as lágrimas iam e voltavam, vezes ficavam na orla dos
olhos, dependuradas pelos cílios que agarravam com força como se fosse a última
de toda a vida, e durante minha existência nunca lutei tanto para deixar-se ir
a lágrima, pois queria dizer fim ou talvez consolo, mas iria cair. E caindo ia
se acabar no peito, ou no ombro, na ponta do nariz.
Não poderia esquecer-me
da linha! A linha mais clara, no rodapé. Da parede de fora, ou da parede de mim?
Tantas linhas que tinham em meus olhos, cílios, boca, sobrancelhas,
dedos e cabelo. Tanta linha no meio do caminho, na faixa, na calçada, no meio
fio. Meia linha! Metade da linha do rodapé era divisão, e a outra metade se fez
em altura. Tão alto era o silêncio da sala imensa, branco, sem verdes, só
claridade, só um cheiro tumular e tumultuado, se almas que conversavam e bocas
pelos cantos, dedos no lençol branco. Dedos que procuravam a parede, mas só
encontraram sua linha, minhas linhas e uma linha torta, quase invisível se não
fosse pelas mãos atadas, a linha que unia a todos, e não era bem vista. Esta
linha tinha um aspecto cordiforme, esta sim eu não desmanchei e soube bem
interpretar: a linha gigantesca do coração, do batimento acelerado e quase
morto, e então se desmancha e vira linha de esperança. Que irônico! Essa também
com jeito cordiforme. E se confunde com a linha clara, a linha verde, e a
clara, e o verde claro, e o claro do verde da parede. Ah, quão pêsame é confundir
linhas, tão banal quanto confundir amor com esperança!