quinta-feira, 27 de junho de 2013

A linha clara da parede

Todos os dias. Todas as noites. Todas as tardes. Todos os crepúsculos. Era rotineiro, era cedo e era tão novo, tudo tão inesperado quanto desacostumado. E estranhamente tão clichê, quanto à própria palavra clichê, tão quanto seu significado, “clichê”. Nem era cor de musgo, nem era do muro, nem rebuscado, e não havia laranjeiras e horizonte, era uma longa parede que dava impressão de parecer infinda. Vasta, vaga e tão verde, tão clara, tão confidencial a todos os meus olhares que a lancei, trancafiando alguma dor e muita lágrima com certa ponta de não-saber-o-que-sentia, do buraco, da cova bem cavada a fundo, de repente. Tinha um cheiro fúnebre que vinha da cor clara, um verde meio água e meio rio, da minha lágrima.
E as lágrimas iam e voltavam, vezes ficavam na orla dos olhos, dependuradas pelos cílios que agarravam com força como se fosse a última de toda a vida, e durante minha existência nunca lutei tanto para deixar-se ir a lágrima, pois queria dizer fim ou talvez consolo, mas iria cair. E caindo ia se acabar no peito, ou no ombro, na ponta do nariz.
Não poderia esquecer-me da linha! A linha mais clara, no rodapé. Da parede de fora, ou da parede de mim?


Tantas linhas que tinham em meus olhos, cílios, boca, sobrancelhas, dedos e cabelo. Tanta linha no meio do caminho, na faixa, na calçada, no meio fio. Meia linha! Metade da linha do rodapé era divisão, e a outra metade se fez em altura. Tão alto era o silêncio da sala imensa, branco, sem verdes, só claridade, só um cheiro tumular e tumultuado, se almas que conversavam e bocas pelos cantos, dedos no lençol branco. Dedos que procuravam a parede, mas só encontraram sua linha, minhas linhas e uma linha torta, quase invisível se não fosse pelas mãos atadas, a linha que unia a todos, e não era bem vista. Esta linha tinha um aspecto cordiforme, esta sim eu não desmanchei e soube bem interpretar: a linha gigantesca do coração, do batimento acelerado e quase morto, e então se desmancha e vira linha de esperança. Que irônico! Essa também com jeito cordiforme. E se confunde com a linha clara, a linha verde, e a clara, e o verde claro, e o claro do verde da parede. Ah, quão pêsame é confundir linhas, tão banal quanto confundir amor com esperança!

domingo, 16 de junho de 2013

A linha do muro

A linha verde do muro confundia-se com as folhas de laranjeiras, no alto, no longe, no horizonte. E aquele verde confundia-se com a cor dos olhos, com a cor do céu quando está para cair chuva e trovejar musgos. As linhas confundiam-se e iam se trocando, ora eram muros ora eram folhas, e por ora invadiam a janela. As linhas conquistavam o papel, trocavam a tinta preta pelo verde, mesma cor do muro, e me deixavam fria, como pedra, como parede. E me deixavam a desejar, a pensar, o quanto deixei passar, o quanto chorei e o quanto trovejei até reescrever, até convidar essas linhas verdes e pretas para virem até minhas mãos, até os cílios! O quanto molhei esses até deixar de sentir e passar a verbalizar, a ouvir o melro e a deixar que a andorinhas fizessem verão para mim, fizessem linhas no céu, esverdeadas e escuras.
Ah, quanta dor senti até poetizar, até voltar ao papel, quanta dor nesse último mês, e nessa última década devo ter ouvido, deve ter passado por mim. Quando gente desalmada e quanta gente pedindo palavra, quanto orvalho já caiu. Quão gélidas ficaram minhas mãos até voltarem a sentir a textura ímpar de um papel vazio cheio de vago sentimento!
E as linhas voltaram a confundir-se, verde, preta, verde, preta, verde, preta...
E eu voltei para mim, depois de tanto doer, tanto amedrontar, tanto prantear, tanto lamentar, voltei, e reescrevi meu nome, no final da folha. Sem linha, sem outras vizinhas, sem outro nome pra confundir-se, basta a confusão  em si só, basta o caos, duas borboletas em um casulo somente, dois céu num só mundo. E o casulo rebentou, uma borboleta voejou, a outra tremelicou e morreu, confundiram-se as linhas de suas asas. E eu confundo os olhos, confundo as mãos e os nomes.
O muro continua verde, embora pareça agora mais claro depois de alguns segundos, ou talvez mais escuro depois do temporal. E as folhas já estavam amareladas, não eram mais verdes, tomavam um tom meio envelhecido, meio torto e eu rabisquei tanto que não sabia distinguir linhas de outras formas. Nem sabia eu que iria falar sobre linhas, eu tão bibliobílica poderia narrar o cheiro dos livros velhos, ou novos, mas não soube distinguir. Está tudo muito esfumaçado, sombrio e nublado, distorço linhas cordiformes, e o coração se desfez em milésimos. Um lamento é confundir a linha do horizonte com um muro velho esverdeado e mal pintado!