terça-feira, 31 de julho de 2012

Noite mal-dormida

Escalei minhas póstumas lembranças de um ar intrigante, superante, que teme em dizer a verdade, mas nega entregar-se a falácias, e eu minto, que infâmia! Que desastrosa surpresa preparei para esta madrugada. Ah... se tu pudesses me escutar, se qualquer ponta de memória minha fosse capaz de trazer algum rosto a frente de meus olhos, uma voz aos meus ouvidos, alguma estação ao meu aniversário. Algumas flores na porta, risadas no escuro e toda essa melancolia que abala minhas lágrimas. Fiz tempestades em jarras, copos, moinhos, e borrascas caíram em minh'alma. Virei esperança fadigueira.
Datilografei essa desesperança tão grosseiramente que até as pedras destroçaram-se ao som de minha voz, choro, pranto. Implorei para que as borboletas não se fossem, mas a chuva recomeçou. O mármore tocou tão frio, e os chopins esconderam-se. A dor pendeu em minha boca e jogou-se na cama, deitei e me tapei com ela, ficamos ambas quentes e calorosas, abafei o choro e adormeci. Ah... se tu pudesses me declamar ternura, estaria com um sorriso lutando contra as lágrimas, ao suor da dor ao meu lado. Nós duas nos tornamos tão íntimas que sabemos quando virá temporal, e ficamos na janela, expiando e vigiando os pássaros mortos e as árvores dançando no mártir de uma vida que se esvaiu, num livro de estórias não lançado, na morte de um poeta sofredor e risonho. Ah... se tu pudesses voltar, voltarias chorando. 

sábado, 14 de julho de 2012

Poeta datilógrafa


O sorriso ora abria-se ora fechava-se, por que choras menina? Por que tanto escreves e pouco declamas?
Ora, pois relato, e gosto de minha caligrafia interpretando meus olhos.
Mas declames menina, diga para mim, o motivo por que tanto se calas?
O motivo é o cantar dos pássaros, o orvalho lustroso, o desgosto infame, as borrascas à noite, a ternura pedindo espaço, o amor ferido, e o asfalto negro com pontos brilhantes, o café frio com gotículas borboleteando na orla, a morte da andorinha, o falecimento da esperança... Não consigo falar sobre tais, não sei causar verbalmente, não sei admitir nem omitir, sou ignorada pela minha voz e não escuto os outros tons. Sou errante, não falante. Ou um ou outro.
Não há maneira de descrever o renascer de uma alma em desespero dizendo seu choro, nem falando sua ânsia, somente escrevendo e narrando o seu pranto e mórbido olhar. Não há gesto de ternura que justifique uma palavra escrita em vão, ou relatada erroneamente, não há verbo falado que interprete um amor partido ao meio, nem os orvalhos de uma manhã. Não já palavra que datilografe a estação de outono, somente a escrita das folhas secas e perdidas.
O céu plúmbeo não se pode manifestar-se através de uma simples frase, ou de um suspiro mal dado. Ele se rascunha, se prontifica a ser deixado em papel em branco, rabiscado, memorizado na lembrança de uma escritora. E a escritora sou eu, a intérprete dos pássaros mortos sou eu, a dona das palavras dardejadas ao mármore sou eu, sempre foi. Sou como o ponto final de um texto que se apagou, a vírgula que paramos para respirar no meio do conto e o espaço entre as palavras de um livro que não tem epílogo, nem prólogo, nem capítulo. Sou o falecimento da noite, a beldade do crepúsculo. Sou poeta datilógrafa.                                                                                                                                                                                      

domingo, 8 de julho de 2012

Temporal


Foi algo como o sinônimo de esquecer, e voltar, perdoar... Não recordo direito
O que especificamente, minha criança?
Vago, vagarosamente as palavras jorravam, assim como a chuvarada de hoje à tarde. Bem como veio a mesma, acreditamos serem pedras, mas eram apenas pesados pingos de alguma infindável memória. Quando aquela cortina esbranquiçada cria-se no horizonte, os olhos não distinguem a falsidade da utopia, nem o céu das montanhas mármores que se findam na linha meio torta junto à tempestade. Não consegue se relatar lembranças sem uma história, nem contar uma história quando o epílogo já é tão mórbido quando as asas de uma borboleta molhada. E molha, goteja cada ponta de nostalgia e alguma saudade torturante, de algo tão insofismável quanto a cor das orquídeas lustrosas pelo orvalho. Porque reluz, ilustra cada pedaço de paixão, narra cada trágico final, em sofrimento alhures. Aos agradecimentos, os mortos, os coitados, que foram ao túmulo por amor.
Pois não existe mármore mais escurecido quanto ao fim de um amor sublime, idílios que desaparecem enquanto a nevasca surge.  Tu remexes nas cinzas, algumas brasas esperançosas reascendem, mas a chama apaga-se pela eternidade. Enquanto a alma implora, o âmago já foi crucificado. Lembras do café adocicado, deixado de lado pelo poeta aos prantos? Este mesmo, não voltará aos pontos pretos que borboleteiam na borda, junto ao leite derramado. Chore, chore, e chore, faça-se de criança por ora. Porque qualquer outra manifestação será ignorada pela vida, pelo destino algoz.
E ao fim do declame, vieram mais alguns vexames, lamentos e mentiras matinais. O abrir dos olhos, úmidos, quentes, doloridos. Depois da ressaca tortuosa, a paixão apagou-se. Quanta lamúria, minha criança, sabia que a vida era assim mesmo, não?
Pensei que seria, mas a melancolia dos dias de neve esfriou o café, e meu coração congelou, já não sei apreciar as flores.  

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Cruel e crua

Verdade. Verdade crua e nua, luzes fluorescentes, estrelas incandescentes, olhos tiritantes choramingam, onde estão as folhas de papel pegando fogo? Porque estes meus olhos ardem e nada acontece aos rascunhos da verdade sobre o amor? Que amor? Que sonhos? Que desejos? Se estes fossem tão reais estariam brilhando mesmo ao longe, mesmo na fumaça, mesmo na neblina, mesmo na tempestade. Mas são fracos, são relvas nascendo pela manhã e pegando frio, a noite inteira. E imploram para serem esquecidos, como as mesmas águas que passam pelos rios sujos e pela nossa alma impregnada de superstição e fatalidade. Corremos, trafegamos, mas nunca matamos o tempo, nunca lemos os livros até os finais nem interpretamos os olhos do outro.
Os rascunhos estão na lareira pegando fogo e o coração morre, falece a última flama de querer. De que adianta desejar e somente desejar? O amor platônico perde seu encanto quando deixa de ser secreto, e o sol morre ao anoitecer, quando a última vela que os anjos deixaram é apagada, o cheiro de fumaça deixa pingos de desesperança no quarto, e a janela está trancada. Não sei por que diabos a menina na calçada chora ao término do livro, nem porque a mulher cai aos prantos quando as rosas morrem, se cada estrela está lá para ser vista, mas nenhuma brilha fora da escuridão.
Mentira. Falácia oculta e cruel, peito inchado de martírio, as voltas do coração entorpecidas por alguma raiva amenizada pela chuva, olhos tiritantes, onde está o choro? O pranto e o grito de desespero? Dantescas noites em claro que passamos por almas vagas, não? E as estrelas morrem, o brilho falece, o choramingo recomeça, a menina tropeça, e o rascunho rasga. É uma tênue linha entre a verdade e a crueldade.