Pontos de luz. Grisalho
dourado. Feita de doce olhar. Aos cantos da boca até os olhos recaídos. E havia
uma janela, branca com vidraças esfumaçadas, cheiro de cigarro.
Que cheiro?
Aquele mesmo cheiro, de saudade de uma madrugada, aquele
cheiro misturado com perfume de rosa desabrochada, lembra? Em coras sórdidas e
quase neve vestia-se uma senhora, uma bela senhora em flores e perfumes
franceses, com aromas quase irreconhecíveis, que dizia algo! Mas esse algo não
era falado, era no olhar, nos cabelos curtos e nas mãos cor de uva e forradas
de anéis. Tantos anéis para tantos dedos, e os meus passavam pelos cabelos
finos da minha velhinha. Abaixava-me, um beijo de cada lado e um cheirinho
atrás da orelha para sentir seu perfume, quase-não-sentido, mas forte,
impregnado de cor avermelhada, vaidoso cheiro que prendia.
Não era o mesmo rosto, a cada dia esse se transformava em
algo novo, alguma lembrança velha. Tomava as dores de uma vida toda, e não
dizia seu algo, o que era?
Bebia doces momentos e contava sobre o grande amor da sua
vida, ou seria dois? Pois perdeste os dois, mas nunca deixou de sorrir nos
domingos de sol, com as janelas entre abertas, brancas, envidraçadas de amor
profundo, escondido e estampado nas paredes. Quadros de uma herança quase
perfeita, que se refaz com o tempo. Rostos nas paredes que a amavam e tanto, e
tanto! Havia uma singela sombra de medo, ao querer dizer, mas ninguém dizia,
apenas aguardavam a palavra dela.
Que palavras?
Citações de alguns bons sonhadores e pensadores de uma época
remota em que nascera, e aprendeu a ver almas, aprendeu a curar dores, e
acalentar seus amores. Mas não eram apenas citações, eram dizeres simples. Como
quem diz “até breve, até o próximo domingo, até a próxima vida”. Até, minha senhora.