sexta-feira, 26 de julho de 2013

Até breve

Pontos de luz. Grisalho dourado. Feita de doce olhar. Aos cantos da boca até os olhos recaídos. E havia uma janela, branca com vidraças esfumaçadas, cheiro de cigarro.
Que cheiro?

Aquele mesmo cheiro, de saudade de uma madrugada, aquele cheiro misturado com perfume de rosa desabrochada, lembra? Em coras sórdidas e quase neve vestia-se uma senhora, uma bela senhora em flores e perfumes franceses, com aromas quase irreconhecíveis, que dizia algo! Mas esse algo não era falado, era no olhar, nos cabelos curtos e nas mãos cor de uva e forradas de anéis. Tantos anéis para tantos dedos, e os meus passavam pelos cabelos finos da minha velhinha. Abaixava-me, um beijo de cada lado e um cheirinho atrás da orelha para sentir seu perfume, quase-não-sentido, mas forte, impregnado de cor avermelhada, vaidoso cheiro que prendia.
Não era o mesmo rosto, a cada dia esse se transformava em algo novo, alguma lembrança velha. Tomava as dores de uma vida toda, e não dizia seu algo, o que era?
Bebia doces momentos e contava sobre o grande amor da sua vida, ou seria dois? Pois perdeste os dois, mas nunca deixou de sorrir nos domingos de sol, com as janelas entre abertas, brancas, envidraçadas de amor profundo, escondido e estampado nas paredes. Quadros de uma herança quase perfeita, que se refaz com o tempo. Rostos nas paredes que a amavam e tanto, e tanto! Havia uma singela sombra de medo, ao querer dizer, mas ninguém dizia, apenas aguardavam a palavra dela.

Que palavras?


Citações de alguns bons sonhadores e pensadores de uma época remota em que nascera, e aprendeu a ver almas, aprendeu a curar dores, e acalentar seus amores. Mas não eram apenas citações, eram dizeres simples. Como quem diz “até breve, até o próximo domingo, até a próxima vida”. Até, minha senhora.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sobre panos e véus

Caído pelo rosto, era o véu, meio transparente, cor dos olhos que mentem sabe? Meio torto e com a borda amassada, pois ela não parava de sorrir, e de cultivar os pontos minúsculos e quase fechados que inteiravam o véu, e este guardava o desejo.

Não era um casamento, de longe fosse uma cerimônia, mas era o seu, o grande evento sobre como ela contou à saudade que estava viva...

Tapava os pulsos, eram os panos, vários panos, sobre os pés e mãos - sentia mais frio nas pequeninas mãos que tanto carregavam e aplaudiram as flores murchas se reabrindo no inverno. Fazia tão frio! A cada orvalhada usava os mesmos panos para limpar as lágrimas de uma noite pra outra. Duma manhã solitária quase que não movimentada, meio que sepultada lá pelas 3 da tarde, era quando esquecia o dia e aproveitava alguma inspiração para adormecer até a noite, para pôr o véu e contemplar seu rosto no espelho. Tão bela quando havia o véu em sua face, escondendo e resguardando as cicatrizes – linhas dos olhos e do sorriso – que receava qualquer ponta de luz que viesse em direção a sua retina. Ah, tão bela era a cor dos olhos dela, não vê-los diante do espelho era uma lástima. E deixava as cores sóbrias e não falantes verdes das paredes transbordarem nos cílios e taparem sua boca, não declamava e não sonhava, jamais haveria de contar!
E contou, com o véu na frente do espelho, com os pés sobre os panos agora, gritou para si e para todas as outras portas da casa que quisessem ouvir, e estas se fecharam, uma a uma, deixou-se as velas acenderem e esperarem pela madrugada. Para a cerimônia. Não, na verdade não, não queria uma cerimônia, era um apelo, puro e enfeitado com rosas lilás.


Eu vivo mais do que isso, saudade, vivo mais sobre esses véus que tu tanto insistes para que as curvas debaixo dos olhos não te denunciem!