segunda-feira, 30 de março de 2015

As suas palavras na ponta dos meus dedos

Eu chequei nossas últimas mensagens para ver se algo ali me daria uma explicação, uma vírgula mal colocada, um ponto que não finalizou, eu li inúmeras vezes teu nome, com cada letras curvando-se de tanta saudade, pra ter certeza que era aquele mesmo.

Ao passo que a temperatura mudou levemente, minha escrita mudou bruscamente junto comigo, eu nem altero as frases de lugar mais, nem uso aqueles termos que você nunca entendeu. E aqui estou eu, escrevendo para você em um texto meu.

Enquanto as janelas ainda estão abertas para o resto de sol vir dar uma boa noite, eu sinto aquele cheiro de outono que anunciou tanta coisa há alguns anos, e hoje, só anuncia uma noite que eu não tenho ideia de como chegou e nem como irá terminar. Eu estou com tanto medo de pôr o pé pra fora de casa e encontrar seus olhos, ou pior, seus olhos olhando em outros. Não, eu não tenho o direito de sentir nada disso, mas você também não tinha o direito de mudar cada essência em mim e se deixar impregnado na pele – eu avisei que ficaria perdida sem nós dois, nós sempre fomos minha bússola.
Cada voz que vem me acalentar me fala o quanto estou sendo imatura de sentir tudo, e algumas outras me deixam chorar, sinto abraços fortes e olhares de tristeza, mas nenhum abraço doeu tanto como o nosso último, naquele banco da praça.

Desculpe-me pelas palavras tão doloridas e diretas, mas as palavras se perderam também e eu não sei escrever com as mãos molhadas de lágrimas.

A água terminou de aquecer, os meus pés estão tão frios! Encho a xícara de chá quente e as fotos que ultrapassam os papéis estão cada vez mais vivas, como se as cores estivessem me avisando de que nada de bom está para acontecer hoje. Como se estar no mesmo universo que você, sem existir mais nós dois, fosse uma pedra no peito, metáfora de pessimismo e má sorte.
Eu alterei tanto minha face que as pessoas já não me reconhecem, e eu não me reconheço dentro de mim mesma. Já se sentiu tão perdido a ponto de tentar se acalmar consigo mesmo, mas não conseguir pensar por si próprio?
Eu tranquei a janela porque já está muito frio, e fechei a cortina cor dos seus olhos. Visto um casaco que não tenha o seu cheiro e ponho o pé pra fora de casa. Rezando para não ter que te encarar sem minhas mãos nas suas.

Quando a gente muda, as palavras também se modificam dentro dos dedos.

A caixa de papelão e as mariposas

Sobre nosso epílogo íntimo
Eu me ocupei de tantas coisas! Eu esperei acordar cedo um dia da semana passada – que você sabe muito bem que eu odeio – apressada, para então olhar para os vestígios verde-saudade que ainda estavam pelo quarto, pelas paredes, algumas fotos tão visíveis e pesadas, e outros invisíveis, impregnados em cada fio de cabelo seu que ainda está em algumas das minhas blusas. Apressada, então, eu arranquei nossos rostos juntos, as cartas (que você nunca pôs a data), os presentes e aquele urso que ganhei no nosso primeiro Natal juntos, e eu andei com ele pela rua, super feliz, lembra?
Sim, eu também odeio lembrar tudo isso ainda. E minha pele também não aguenta mais sentir o sal das lágrimas toda vez que eu tomo um pouco de vinho e aí os sentimentos conversam entre si e eu já estou muito embriagada para engolir o choro e sorrir.

Naquela manhã houve um vazio um tanto anestesiado, e eu imaginei fotos rasgadas, presentes jogados no chão, gritaria e choro comigo mesma. Mas não houve nada disso. Houve um silêncio ensurdecedor e cortante. Guardei tudo em uma caixa de papelão, que ficou embaixo das gavetas no guarda-roupa. Toda vez que eu vou me vestir, ela está lá, me olhando, pra relembrar que mesmo guardado, empoeirado, apressado, o sentimento ainda está retumbando em cada canto de mim.

Os dias se passaram e tudo parecia colorido, laranja, o outono chegou – que você sabe, eu adoro – e algumas borboletas vieram me acariciar o rosto, dizendo que tudo vai melhorar. Uma delas me lembrou de seus olhos e outra a cor do seu cabelo. Eu sorri. Acredita nisso? Agora eu sorrio em vez de fechar a cara, porque sorrir parece que disfarçando a dor pros outros, eu disfarço pra mim mesma.
Só que as mariposas transbordam no meu quarto à noite, e a madrugada judia. De manhã eu acordo sem saber por que há tantas lágrimas no travesseiro e eu estou tão exausta. Não sabia que chorar de saudade cansava, e realmente cansa, acabada comigo e meus olhos ficam caídos pelos cantos pelo resto do dia.

Mas então, meu amor, eu sei que você não vai ler isso, e que isso foge dos meus padrões. Mas eu sempre fui feita de sentimento, a única forma que encontrei de conversar contigo foi assim, entre os papéis velhos em branco que eu encontrei embaixo da mesa. As mariposas estão fazendo barulho e se batendo contra a janela, por que o quarto já está inundado de lembranças suas, e já não cabem mais nada dentro dele, nem dentro de mim. Não sabia que o vazio ocupava tanto espaço dentro da gente!

Cinza, da cor da leveza

Fez-se a dor em pó, não era sólida nem fria, era quente e leve, vez ou outra vinha em forma de água ardente e queimava a pele – de dentro.

Não sabia se era dor ou aperto, é realmente muito triste não saber distinguir dor de vazio no peito. Porque a dor era hora física hora abstrata. Eu que tanto menti para a coruja em minha janela sobre suas suposições e tanto tive medo da dor de dentro, agora sinto os latejos na minha pele sobre a falta que fiz e que tu ainda me fazes. Pior do que sentir a dor é sentir a certeza de que ela não vai ir embora, porque há muito nós dois já fomos.
Em cada vez que o relógio anuncia um segundo a mais para a virada da noite eu sinto ainda teu cheiro pelas fotografias, nada foi tirado do lugar. Eu olho para aquela rua e parece que até a calçada sente a falta dos teus pés que sempre foram tão cansados e as paredes sentem a falta de tudo que tu não disse. Agora já queríamos ter dito tanta coisa. Agora parece tão ilusório quanto o passado que nunca mais nos deixou sentir o gostinho dos olhos se cruzando enquanto tu chegava na porta.

Ainda tem muita fumaça e está difícil respirar, mas a dor não passa, nem dói nem vai embora, só fica latejante no peito. É a impressão de que sempre está aqui, mas nunca se manifesta com sua força. E eu tenho medo que esse dia chegue – medo de que a água congele e quebre quando bater na janela do meu quarto, e então tudo se espatifa. Porque ainda parece tudo muito intacto e longe.
Parece que já faz um ano ou mais que eu não escuto tua voz e que não há recados meus na tua parede. As paredes me lembram do contorno do teu rosto quando tu ficava sério, o jeito que teu cabelo escuro contrastava com o branco dela. Nunca fui tão íntima de mim mesma quanto agora, porque só tenho a mim mesma para contar coisas que só nós dois sabíamos. Demorei pra entender que essas coisas ficaram guardadas até empoeirar.

O anel cai dos meus dedos já há algum tempo, minhas mãos já não seguram firme, e eu já acho tudo frio demais – eu que sempre reclamei do morno. Eu tentei colorir as paredes de mim de qualquer outra cor, porque tu sempre reclamou que eu admirava demais o cinza, mas as tintas secaram e o pincel já nem deixa marcas. O cinza, agora, me expressa muito bem, sem se mostrar totalmente, escuro, mas claro, indeciso se chora ou sorri. Mistura de cor e dor que não se mostram, mas decoram os dias. Já decorei todos os caminhos da minha rotina e aquela nostalgia sempre me encontra na mesma esquina.

Por enquanto é isso, a coruja já foi embora, tranquei a porta e não me atrevo a abrir a caixinha tua no fundo do guarda roupa.