sábado, 23 de junho de 2012


Sou tua manhã de inverno, manhã de verão, primavera, outono. Posso ser o barulho na janela, e o amanhecer dos olhos em lágrimas quentes, posso ser um anjo que despencou e apaixonou-se por tantos defeitos, os nossos defeitos. Que tantos montamos. Posso ser doentia em reler velhos livros, e agarrá-los com tanta força quanto pego na tua mão, pois eu crio força, dessa minha fragilidade e o medo de pronunciar borrascas e machucar os quero-quero. Pois eu temo a maior brecha de luz, a clareira no campo a fundo, como a encenação de fuzilamento dos alemães e sovietes, tão aterrorizante. E eu fiquei como mulher presa nas palavras não ditas, contra as grades, olhos vendados, de frente para fuzis e homens que gritam, berram, e declamam mentiras. Todos declamam falsidades e exprimem uma confiança repugnante, todos exalam um perfume enjoado, que enoja somente à minha pessoa, nessa fadiga de ir e não vir. 
Posso lutar com os olhos ardentes, não ergo uma sobrancelha por antipatia às pombas, mas porque escondo os olhos e as idéias que se martirizam para fugir. E as palavras que não digo doem, ardem, somente acalmam quando as grafo em papel sujo ou limpo, quando a caneta toca a ponta da alma e faz as lágrimas brotarem no calar da noite, nos dantescos vales que tanto dou cores. E bordo nossas estórias, tão belas estórias em manhãs e tardes cruzadas, tantos medos revoltados e tantas armas sem bala. Tanta frase mal colocada, tanta gente guerrilhando e gritando enquanto eu abro os livros para entrelaçar-me à minha ignorância de querer viver em paz e perdões. 
E posso ser imatura, ou fruta madura demais, que já caiu ao orvalho longe do pé. Nem sequer dizemos adeus, somos supostamente assaltados no nosso íntimo para ouvir e dizer mentiras tão absurdas quanto as torturas em campos de concentração. Posso ser general ou polonesa. Vítima ou vilã. Tanto fez nessas alturas das nuvens, porém ainda desejo ser a tua manhã de inverno, pra sempre. 

sábado, 16 de junho de 2012


Mudaram as estações, e estas transcenderam algum ímpeto de saudade. Não há espaço para sentir falta, nem brechas de nostalgia, não há espaço para repensar, nem repescar, não há boas condutas, e o caráter nunca existiu, nem resistiu a defender aquele egoísmo que ecoa nas paredes de vidro. Paredes ensanguentadas, cada palavra dita e soprada aos prantos apedrejou nossa alma, e os alicerces que suportavam a áurea escurecida desabaram. Os passos foram dados em vão, e as cortinas cor de laranja não permitiram alguma luz nos olhos, o quadro negro foi coberto de verbos dardejados. E eu escrevi tantas malditas e mal ditas resenhas que nem sei onde escondi minha verdadeira ortografia. As cartas e os bilhetes se eternizaram em algum chão frio. 
Cada estação que morreu ano passado deixou-se levar pelo egocentrismo e pela perseverança de querer ser, poder, nenhum de nós aceitou acreditar. Por que aceitar as rosas se os espinhos machucam tanto? Por que esquecer que essas são tão perfumadas que a picada nem dói tanto? Por que tanto? Para que pranto? Deixe o inverno prantear então, já que nós não perdoamos, somos escafandro em demasia. E esse insofismável ódio empoeirado nas estantes de poemas que não lemos, e livros que não abrimos, trancafiou todo a ternura. A perfeição foi esquecida, não há espaço para chorar sobre o mármore, nem pele esbranquiçada, o rosto está cicatrizado, arranhado. Não houve mais recitais sobre as manhãs douradas. Não há espaço para alguma palavra bem dita.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Folha

Que tenha a leveza de uma folha, saiba voejar como tal, e aprenda a suspirar as tempestades e ventanias, seja amarela, laranja, rosa e seca, seja folha de outono que atravessa invernos e tomba ao chão. Deixe-se gotejar e conserve os pingos de notalgia e saudade que ficam em sua superfície. Cresça os ramos, esqueça os tombos e seja amiga das flores, tantas flores, tantos perfumes, aprenda a desdenhar e amar. Seja folha colorida de primavera e ilumine os invernos, bata na janela em noites de tormenta e deixe a melancolia apresentar-se. Pois folhas são personagens de uma peça tão encantadoramente surpresa. Cheias de vida e morte, céu e terra, seja folha presa aos galhos ou pisoteada ao chão.
Mas tenha a timidez de uma folha de roseira, ou a ironia das folhas de primavera-outono que tanto enfeitam para sepultar-se aos nossos pés, tenha a leveza d’alma de uma folha, e seja esverdeada de prosperidade. Aprenda a nascer e morrer, voejar e viajar pelos vales dessa monotonia em que encontram-se os galhos secos e tristes. Tão solitários galhos e tão sofredoras folhas.
E sofremos, e imploramos, rasgamos o peito ao meio pelo perdão, e eu me tornei leve como folha. Uma folha de outono, sou cinzenta, laranja, talvez avermelhada mas nunca rosa. Pois perdi a timidez de voar, apenas arrasto-me e perdoo as outras folhas que de tão coloridas espantam-me galhos adentro. E os galhos que tantas vezes feriram-me, me suportam, e derrubam-me ao tombo mais ríspido no gélido chão. Sou folha que deixa os orvalhos secarem, ou congelarem nas geadas de sofridão. Deixo-os para darem-me brilho e para outros admirarem-me. “Veja que folha mais bela com as gotas de chuva da manhã iluminando-a”, mal sabem eles que estes orvalhos foram lágrimas que chorei e suspirei ao ápice do inverno.