Fui deixada a noite, ao breu, aos pássaros. E seu cantarolar me entristeceu, meu bem. Não adianta tentar concertar a asa quebrada, pássaro que foge do ninho emudece e morre. Não canta, não amanhece, não voeja. E eu depois de reconhecer sua alma, esqueci da minha, trancafiei meu coração em ampola de cristal e entreguei a ti. Mas a cada dois passos você a derruba, e meu coração exala toda essa dor transparente, o meu sangue não jorra, não é avermelhado, ele se encolhe, meus olhos seguram as lágrimas, e o ímpeto de sobreviver morre ao ouvir sua voz.
A pomba faleceu na tarde de domingo, enquanto você admirava flores, enquanto a brisa soprava o crepúsculo. O outono se faz em mim durante a melódica noite. Não sou mais aquela primavera. E como o mármore está gelado, procurei outros refúgios, mas a chama apagou-se. O fogo enfraqueceu pelo voo frenético das suas asas.
Porque eu sou sublime estrela dardejada do púmbleo céu, sou aquela pomba que foi flechada e o sicário caçador nem sequer secou o sangue. Me deixou nas manhãs após borrascas, adormecida em cima de seu túmulo. E eu, já em solidão, te refiz, te ressuscitei, e esqueci de viver pra mim. Já não tenho forças para levantar minhas asas, e meus olhos se tornaram escuros, os seus roubaram toda a luminosidade da lua, e a claridade assustou-me. Eu desapareci. Esta pomba que você tanto queria foi extinta, foi morta. Você queria arrancar uma flor e arrancou minha vida, e sua rosa tinha espinhos. Mas... Ah, você não vê meu sangue, não enxerga esse túmulo aberto na sua frente, porque minha ternura que resta na borda do copo te sacia.
Mas o outono se vai, meu bem, e o inverno porvindouro deixa esse meu pequeno coração congelado, ensurdece minha voz, e corta minhas asas. E eu choro, eu imploro, eu soluço. Mas nunca foi de minha índole julgar, deixo a honra para o sol, quando invade meu sonho pelas manhãs de maio. Os raios mostram a poeira, e atiçam a dor, a melancolia de uma promessa mal cumprida. Porém, eu ainda guardo essa esperança, essa pobre e imunda esperança de que os raios de sol não queimem nossas asas que voam em sintonia. Que a ventania da tempestade esverdeada não derrube nossa muralha. Ainda suspiro pelo seu coração, e pelas minhas asas quebradas.