sábado, 31 de março de 2012

Sua pomba faleceu


Fui deixada a noite, ao breu, aos pássaros. E seu cantarolar me entristeceu, meu bem. Não adianta tentar concertar a asa quebrada, pássaro que foge do ninho emudece e morre. Não canta, não amanhece, não voeja. E eu depois de reconhecer sua alma, esqueci da minha, trancafiei meu coração em ampola de cristal e entreguei a ti. Mas a cada dois passos você a derruba, e meu coração exala toda essa dor transparente, o meu sangue não jorra, não é avermelhado, ele se encolhe, meus olhos seguram as lágrimas, e o ímpeto de sobreviver morre ao ouvir sua voz.
A pomba faleceu na tarde de domingo, enquanto você admirava flores, enquanto a brisa soprava o crepúsculo. O outono se faz em mim durante a melódica noite. Não sou mais aquela primavera. E como o mármore está gelado, procurei outros refúgios, mas a chama apagou-se. O fogo enfraqueceu pelo voo frenético das suas asas.
Porque eu sou sublime estrela dardejada do púmbleo céu, sou aquela pomba que foi flechada e o sicário caçador nem sequer secou o sangue. Me deixou nas manhãs após borrascas, adormecida em cima de seu túmulo. E eu, já em solidão, te refiz, te ressuscitei, e esqueci de viver pra mim. Já não tenho forças para levantar minhas asas, e meus olhos se tornaram escuros, os seus roubaram toda a luminosidade da lua, e a claridade assustou-me. Eu desapareci. Esta pomba que você tanto queria foi extinta, foi morta. Você queria arrancar uma flor e arrancou minha vida, e sua rosa tinha espinhos. Mas... Ah, você não vê meu sangue, não enxerga esse túmulo aberto na sua frente, porque minha ternura que resta na borda do copo te sacia.
Mas o outono se vai, meu bem, e o inverno porvindouro deixa esse meu pequeno coração congelado, ensurdece minha voz, e corta minhas asas. E eu choro, eu imploro, eu soluço. Mas nunca foi de minha índole julgar, deixo a honra para o sol, quando invade meu sonho pelas manhãs de maio. Os raios mostram a poeira, e atiçam a dor, a melancolia de uma promessa mal cumprida. Porém, eu ainda guardo essa esperança, essa pobre e imunda esperança de que os raios de sol não queimem nossas asas que voam em sintonia. Que a ventania da tempestade esverdeada não derrube nossa muralha. Ainda suspiro pelo seu coração, e pelas minhas asas quebradas.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Ânsia de virar noite


Estou com vontade, desejo, ardência, quero rabiscar as paredes escuras que montei ao redor da janela, pincelar de tinta branca e choramingar. Umedecer as palavras dardejadas no breu, e acinzentar, com um tom de céu pra chover. E deixar nevar, ver os cacos de vidro ao chão, pela pedra jogada a culpa e sofrimento do inocente. Ver o gelo formar pequenas estrelas no fundo da parede preta, e desenhar, meus olhos. Tão pequeno o grão de sal que vive no fundo da melancolia que desceu água abaixo. No fundo do mar. 
Vou pintar, reescrever poemas trágicos e desenhar esperança naufragada. Rabiscar nomes e meu codinome, ânsia. Pois quero viver, sou ansiosa pela noite, pela lua, pelas estrelas, pelo passado. E talvez por essa minha fissura de correr, não saio do lugar, roto em volta de meus pequenos pés, apago o que queria relatar, e engulo toda a fúria, e a verdade. Não julgo os calos nos dedos, nem a caligrafia errante, pois sou o tropeço, o buraco na estrada. A tinta borrada no quadro. E meu porta-retrato é negro, com minhas pinceladas cor de mármore. "E minto, não sou poeta, sou apenas uma escritora de melancolia", estas palavras de outrora me assombram, mas não há nada mais vero. Também não sou pintora, só pincelo quadros negros no desejo de virar noite.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Deixe-me morrer

Só estou abaixo da linha do horizonte, onde o sol não se encontra sabe? Só estou remoendo tantas roupas mal lavadas que não cabem mais lamúrias e saudade em meu armário. Pois nem sinto saudade, já está ultrapassada essa nostalgia, as nuvens são escuras e os algodões doces, meu bem, estão salgados o adocicado derreteu na chama quente que queima entre meus olhos e as maçãs do rosto. Liberte-me para arder.
Veja, o vidro da janela lateral trincou, passei os dedos, me cortei. E sabe, pode se escrever com sangue também, os poemas não precisam ser feitos de pétalas. Coração de gelo também bate. E o gelo derrete. A água não precisa de mais quatro graus para virar vapor, e eu viro pó a cada monossílaba surrada. Pois eu estou só nadando contra a correnteza, encontro-me nesse ímpeto de ver as mórbidas paisagens e admirar as trovoadas. Venha meu velho outubro, fazer-me companhia?  E me permita atormentar os dias floridos de felicidade, impregnar a sala com música clássica, essa mesma que soluço, que lamento que dou pêsames. 
Então, estou só borbulhando mártir, em alto mar, ao abismo. Soterrada, e não há areia, apenas facas e pedras e dor. Os arranhões machucam, mas sabe que, a falta do verbo mata? E o verbo seria amar, saber, ser. Ser eu, que difamação, afundar-se em mármore envelhecido e esbranquiçado. Ser lugar sem sol, flor sem pólen, borboleta sem casulo, mergulhar sem escafandro qualquer. Esse ser me afogou, ser só abaixo da linha do horizonte.

quarta-feira, 21 de março de 2012

E o rei pediu perdão


Deixe este rei falecer, desapegar de sua desdita tão dolorosa, deixei-o morrer. E morreu, adormece entre o céu e o mar, estas linhas tão tortas que fantasiamos tanto quanto o amor enigmático que pensamos sentir. Agora morre rei de dores, o solar dos cisnes já não tem mais cisnes, e meu coração já não tem mais paixão por essa vida. Por ora leve-me junto com o rei, faça-me de rainha do submundo que tanto conheço, pois sou íntima desses pesadelos efêmeros e do plúmbeo vale abaixo. E deixe-me enterrada em minha cama, aos lençóis marejados de pleno amor pelas folhas secas do outono porvindouro. 
Há muito que me suicidei nessas mórbidas caligrafias, pois minha caligrafia sofre de metamorfoses, mudou o pincel não tem mais afinidade com minha mão, e meus olhos são sensíveis à luz. Deixe o portão entreaberto, apague as velas. Perco a razão entre as águas do lago, onde eu fora jogada por outrora. Enquanto morria, meus olhos cegavam o coração da rainha que veio ao mundo. Eu, rainha. E esta rainha que dialoguei por momentos inóspitos, não me reconhece mais, ah... Minha cara, quem diria que a morte de uma pomba viria ser tão melancólica para seus dias. Quem diria que o rei morreria pelo desgosto de uma consciência dada como castigo, e que as razões pelas quais amo as flores, são as mesmas por que a chuva pinga em mim. E vêm em intervalos frenéticos essa chuvarada como na manhã me que o rei faleceu. A tempestade o desapontou.
Deixaremos então, o rei com seus escrúpulos, e ficaremos com os nossos. Eu, rainha, vou afundar pouco mais nas águas límpidas durante a noite. Para que os raios de sol em complô com a água não me cegue, já basta esse amor cegar-me. E o amor pelo rei, morreu junto a seu coração, a linha reta do horizonte que traça nossa monotonia, entortou-se enquanto traçava paixão, e o amor é este círculo, pêndulo que oscila entre os olhos lacrimejantes e sonolentos, enquanto beijamos de boa noite. O rei morreu na madrugada passada, graças à sua consciência divina que tortura, e razão ninguém sabe, mas havia um bilhete pedindo perdão.

segunda-feira, 19 de março de 2012


Afundei em minha existência, em face do escaravelho que levo pendurado no pescoço, me enforquei. Toda essa chuvarada inundou meu refúgio e meu âmago de ternura por mim mesma, acabou-se. Eu acabei, assassinei a ópera choramingante. Este sol de outrora expandiu a dor. Eu sou o oceano de mágoas. Caindo em nada. Seis metros de ressentimento, o vazio engoliu minha armadura.
Onde estão os pássaros noturnos? Desde que passaram a assobiar melancolia nos dias de outono, esta invernada me matou. Suicídio das rosas. Os beija-flores não as provocam mais. Seu mel não é tão adocicado. 
Deixei-me desaparecer, na mais segura oração, e mais delicados olhos, eu ceguei, não exergo o breu escuro para dar passos falsos. E adormeço no amanhecer, enquanto as frestas relutam a claridade tênue, esqueço de como se perdoa, apenas enterro. Sepulto, a oito palmos de terra desvirginada, jogo-me ao mármore. Em pouca eternidade, afundo, faleço.

terça-feira, 13 de março de 2012

Rejuvenescer

Tropecei nas reticências, amor, me desculpe pelo impasse, mas estas vírgulas já não me separam mais de ti. Houve épocas em que éramos tão unidos a ponto de romper qualquer teia, mas era eu e você. Eu ainda me fazia de mariposa no canto do quarto, e engatinhava até a beirada da cama. Mas me refiz, me recriei, e voejei até sua janela trancafiada e pincelada com pouco amor, pouca confiança e pouca saudade. Reescrevi-me, amor, com a tua caligrafia, com todos os teus erros e linhas tortas que enlaçaram meus olhos e alma, esta minh'alma tão tua, tão bela e que se fez de pura para ressuscitar paixão e pássaro. Sou tua andorinha.
Mas amor, não relate, por ora, nossas canções, nem contemple o pôr do sol, somos céu e mar, no horizonte, ao longe, naquele "onde", que tantos imploram saber para endereçar cartas e lamúrias de abandono. Onde meu coração se envolveu na ampola fantasiosa, nestes recônditos vales que ninguém pisou, nem pisoteou suas rosas avermelhadas. Deixemos amor, para cantarolar ao entardecer de nossas vidas, narrar nossa epístola aventura, nossos passos a dois, dois pés. Esquecemos por outrora de reviver, e agora rejuvenesceremos, somos largada encasulada. 
Que cárcere! Encontra-se a mariposa, enquanto o beija-flor não exala o cheirinho de amanhecer, o sol cegando as pálpebras, o barulho da vidraça da janela. Que relicários eu fiz de nós, sonhando, levitando entre fagulhas de beijos que respingam no peito. Nessa exclamação que suspiramos ao idílio da sublime estrela que despenca da amplidão, e despenca em nossos olhos. Choro. Soluço. Decaio ao mármore gélido e resfrio meu coração até que não caiba mais nenhuma ponta de dor, para que a saudade seja a única a afogar-me. Amor, me salva, corre, suspire até a minha janela, atire pedrinhas, atiça as borboletas, e eu me farei de fada. Tua fada entre aspas. 

sábado, 10 de março de 2012

Incompreender e perdoar

A sirene agonizava, aturdia como o grito surdo de quem morreu e não aceita, e de quem quer morrer e não quer amar. Eu escuto os seus gritos, escuto suas preces, mas hoje a sirene passou pela minha rua, e deixou-me atordoada. Eu orei por todos esses outonos em seu túmulo e recriei poemas, desenterrei esperanças todos os dias. Tumultuei salas já lotadas, e imbuí minha alma de quero-quero que assobiam melancolia, e cantam. Cantavam. 
Hoje pela tarde, o sol queimou minha marmórea pele e ardeu, machucou, embora nem tenha derramado uma única lágrima. Pois elas já secaram, meu oceano infindo de ternura e candura já secou, nem uma gota a mais de perdão vai me fazer transbordar novamente. Nem uma taça a mais de "sinto muito" vai me embriagar a ponto de eu aceitar desculpas maltrapilhas vestidas humanamente de mentiras. Essas mentiras que todos contamos enquanto o orvalho da madrugada nem congelou com a neve que cobriu nossos ouvidos. Congelamos nossos escrúpulos adentro, e matamos qualquer ponta de boa índole que se remexia no caixão.
E a sirene oscilou novamente, aquela melodia aguda me fez arrepiar. Pobre alma carregada as pressas para reviver, remar, respirar. Pirar. Enlouquecer dentro da esbranquiçada caixa jogada aos rios. E a loucura me levou à principal cena, no ápice da peça que ensaio todo esse tempo, resolvi por fora o roteiro. Chega de ambulâncias, salva vidas, e massagem cardíaca. Meu coração está muito bem, obrigada, cor de rosa e dançante. 
Nada de cerimônias, eu enterrei. Eu cavei a cova de todas essas estações em que passeamos de mãos dadas, mas as minhas são pequeninas em demasia para segurar todo o seu farto. E eu agradeço a sirene, ao som torturante desse silencio que não és mais mudo, por acordar-me nesta tarde. Deixei o som se esvair, eles perderam mais uma vida, e eu não vou reviver, nem respirar, nem reconstituir póstumas memórias. Nem perdoar, não mais. Compreender o falecimento é sereno, por ora... Mas compreender a morte da alma é desgraçante. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Nosso tempo

Eu vejo nossa passagem, nossa ida, nosso tempo. O tempo que nós criamos e moldamos, ao ápice do inverno, na cena onde a estaca é cravada, escrevemos com sangue na ponta das penas, o que temos agora. O que adquirimos com os pequenos passos, atrás das rosas, das flores rosa, no meio de folhas quebradas pelo outono. Pulamos muros e cruzamos barreiras. E todos estavam lá para aplaudir, jogar pedras, e chorar. Nós deixamos a lamúria para eles, pois só comemoramos. 
Eu jamais nessa estação de que é feita a vida, tinha visto tantas outras se passarem diante de meus olhos, de teus olhos. Porque eu avisto o pôr do sol, sem nunca tê-lo sabido, nem ver a lua cair, ou emergir. Nunca compreendi o gelo imenso flutuando em meu coração, e aos poucos derreteu-se. Vês estas lágrimas? O soluçar, balbuciando ímpetos de fuga, ausência de sonhos? É todo meu iceberg, transbordando, derretendo, quente. E arde, machuca, dói, mas quando o sol morre, a lua ainda reflete as borboletas pousando sobre meu coração de gelo. 
Este coração, que você descongelou, apalpou e trancafiou, e ele não congelará nunca mais. E toda essa melosidade que você despejou esse açúcar que viajou com chuvas e pingou sobre meus olhos, me adocicou. Sou aquela nuvem alaranjada no crepúsculo melancólico das seis horas. Fui vento e tempestade, amanhecer, eclipse, mas nunca fora pôr de sol. Somente suas mãos e olhos me fizeram poente. Esse seus idílios de compaixão que me foram doados, sua ternura e o verde de sua alma, me fizeram cor de rosa. 
E toda sua doçura, todo seu adorado vértice de mocinho e ponta de malandro, o faz renascer para mim a cada dia. Amar, trovejar, acariciar. Então você amanhece, e anoitece, madruga em cada curva de meu rosto, cada silenciosa palavra. Vive em mim. E o tempo, o rodar do mundo já não nos espanta, apenas nos encantamos com as despedidas nos bancos de praça, azuis celestes voejando e selando na aura do nosso tempo. Eterno. Nossa eternidade, que se cumpri a cada piscar de olhos, enquanto os pisco, os fecho e me encontro aprumada em seus braços. A cada marejar de duas índoles a extremos do mundo, a cada singelo sorriso de canto, se cumpri. O que nunca havia sentindo, solidificou-se em papel marche, com seu nome, seu tempo, nosso prólogo.

terça-feira, 6 de março de 2012

Estou em miséria, sem túmulo, sem cama, sem choro. Nem sequer lágrimas aquecidas para lavar pouco dessa agonia sem nome, derradeira apenas, agonia e decepção. Desapontou-me o fato de que os pássaros não cantaram ontem a tarde, e você nem sequer perguntou sobre o sol, em breve instante o fez sumir. No meio do dia, ao andar da carruagem, escoltou-me para fora, e a rua machuca. As pedradas ficaram em cicatrizes pelo rosto todo, a fumaça ainda não tomou uma forma concreta, e os cacos de vidros estão enterrados em pobre coração.
Fugi aos livros, e mórbidos poemas, tão singelos e puros perto de sua sepultura com dizeres repugnantes. Pois me repugna estes raios de sol amarelados, e as flores frágeis. Fragilidade, aprendi com você, que nada alcança, soluços ao madrugar do dia junto com os orvalhos não recriam histórias e nem refazem a orquestra. Desafinam. Arrebentam as cordas em um repuxo de ondas de tal medo e submissão que nem o mais fiel jardineiro reconhece. Apenas rega as rosas e apara os cravos, sem espantar-se com os espinhos que cravam em cravos, mancham cascalhos a sangue frio. 
É o que poemas epistolares demonstram, não? Essas folhas envelhecidas e perfumadas, exalam lírios do campo e matam os beija-flores, tão cruéis dizeres de Byron. Que matou, crucificou tanto a si mesmo, que nem seu sentimentos lhe eram mais sinceros. Por ora ele só tinha às suas palavras, a sua escrita monótona e seu dom de dialogar morte. 
E eu, estou na miséria de meu dom, o esfalfei de tal maneira brusca, pobre de amor e paz, não existem sinônimos destas em meu vocabulário sujo e indomado. Pois eu atiço a depressão profunda, faço um rebuliço nos dantescos oceanos de uma alma em pesar, e a faço soluçar, choramingam piedade. Que outrora eu pediria, mas neste presente, não há vela que me salve, nem que me reze. 
Minha oração é o que escrevo e reescrevo, imbuída de uma fé barata, eu já nem sei como unir as mãos, elas estão calejadas. Se acostumaram com o abismo entre perdões e memórias, pois estes nunca foram conjugados a uma mesma sintonia. Essa sintonia de um violino que chora copiosamente os pêsames, afaga sublime paixão, adocica os olhos marejados. E as cordas do meu alicerce estão gastas, rebentaram. Não toco, não canto, não danço. A vida está muda, minh’alma cessou, meus olhos cerraram. Morri. 

sábado, 3 de março de 2012

Tempestade castanha, areia azulada

Não me culpe por desenhar na areia, gravar nomes e promessas, não me julgue por descrever tais passagens de meus livros envelhecidos, nem me culpe pela poeira na estante, e pela jóias trancafiadas. Pois não tenho o porque de brilhar, nem o porquê de arrumar-me para caminhar nas calçadas imundas. Nunca precisei de alianças e melindrosas para cobrir meus olhos cansados e pedindo por mais palavras infindáveis de um âmago tão desconhecido. Nunca compreendi essa minha solidão tão apaixonante em dias invernais, ou nessas estações coloridas. Prefiro dar flores a mim mesma do que enviar cartões de natal. E também, não me julgue pelos arranhões, não me culpe pelos tropeços, são os erros que me moldam, e esse medo porvindouro que me faz correr, e desandar a receita escrita. Pois eu não sei ler palavras cegas, nem interpretar versos livres, não sei explicar vaso sem flores, e copo sem água. Prefiro que o copo esteja com café, pouco açúcar, por favor, prefiro sentir o amargo em minha boca, já que o provo no coração por outrora.
Cuidado para não derrubar as flores na janela, nem espantar os pássaros, o canto deles me acorda dos sonhos em que vivo presa. Deixe o noturno choramingar, e outros anunciarem o dia. Não julgue as andorinhas que não fazem verão, pois nem eu que escrevo sei poetizar. Não me culpe por maravilhar-me com a bela adormecida, ou relatar desamores e sonhos caídos. Pois eu faço de pesadelos, inverno, e das partidas, lirismo.
Deixei meu cabelos sujos de areia, a mesma em que escrevi nomes, quantos nomes me vêm na ponta da lingua, e quantas mortes sepultei. Pois aprendi de um jeito tão dantesco, me desapegar, depois de tanto correr e machucar as costas carregando todo esse mundo, esqueci-me de transbordar o copo, e o copo esqueceu de pingar. Bebo somente em taças! Aprecio somente os amores-perfeitos, e prefiro a areia azulada, molhada da chuva, e as folhas gotejadas de tempestade castanha, enquanto deixo meus olhos para as nuvens. E não me culpe pela cor da tempestade, pois, meus olhos tem o negro da noite, e o cinza do dia sempre os iluminou.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Todo o relato do amor

Quero escrever sobre amor, rabiscar no sol chuvas de ternura e exclamações… Quero toda essa melindrosa e delicadeza de uma alma apaixonada, e os laços das mãos dadas. Escrevo sobre desamor, porque amei demais, e meu mundo habitou esse intersecionismo entre o bem e o mal, minha fantasia e tua realidade. Quero relatar desejos e traições, taças de amargura e desapegos. Epistolar sobre cartas rasgadas e fogo ardente, enquanto a flor desabrocha o amor morre, enquanto o amor nasce a flor seca. Pois nunca há um entendimento entre a lua e o sol, e que graça haveria de dar buquês que durem pelo infinito se nem mesmo as palavras se eternizam?
Quero esses dias ensolarados para chorar a beira da praia, e as tempestades para aconchegar em algum abraço debaixo dos cobertores. Depois de amar o quanto se torna erário esses dias sombrios e as árvores secas não, depois da paixão inacabada o quanto se torna amargo o gosto do açúcar na boca dormente sem o beijo do amado. Depois de tanto sonhar que graça teria viver a rotina de acordar e morrer todos os dias? 
E eu já imploro por todas essas dúvidas, e dádivas de amar e quebrar. Da boneca de porcelana com coração de verdade, dos olhos vidrados com cílios molhados. Eu quero toda essa insegurança dantesca e teus olhos verdes. Quero escrever sobre te amar e não amar, eu quero relatar a tênue passagem do ódio para o amor, a confiança e traição, a caminhada e a parada. Quero descrever o cansaço na ponta dos pés e a força para estes dançarem sobre a lua enquanto o sol está a pino. Pois dançamos escondidos, atrás das barreiras que os humanos já não podem enxergar, sorrimos entre panos, e valseamos em meu vestido esmeralda. 
Quero escrever sobre o coração quebrado, sobre a peça da mulher mal amada e sua aliança jogada fora. Quero relatar o rasgo do vestido na noite de núpcias e o dramaturgo romance jogado fora. Relatos de uma vida e de uma alma que pouco tem a dizer, mas os olhos já choraram em demasia. Enquanto as águas de março lavam os parênteses da mentira e fecham a estação dos apaixonados, eu corroo minha mente e machuco minhas mãos. Enquanto relato e desato esse conto de póstumo amor que quero tanto escrever.
Houve épocas em que recitava poemas, e escrevia canções, houve tempos em que qualquer brilho nos olhos me era de extrema inspiração, hoje, somente aquele minucioso brilho da chuva sob a rua molhada me traz tal desejo de relatar. Relatar o brilho das estrelas, e a imensidão do mar azul em choque com o céu ao horizonte. Esse horizonte que está a tanto aos pedaços. Esses lápis com as pontas gastas nem representam mais a ponta de meus dedos calejados de mórbidas mentiras, ou os arranhões nas mãos ao proteger-se de um tombo maior ensaiado. Pregada mais uma peça da orquestra silencio enquanto a trágica vida eterna é ensaiada. Esta eternidade que todos idolatram, mas perguntam-se algumas variadas vezes se a morte não seria pouco melhor, não é? 
E não me venhas dizer sobre a dádiva da vida, pois a menina chora ao mármore, com os olhos escancarados pedindo para se ir, implorando ao céus. E a mulher deixa algumas lágrimas na orla do mundo, enquanto o amado se vai, e todos esses sórdidos homens sujam as mãos enterrando suas almas. Pobres almas que se doam ao infinito, curam os corações com mais ilusionistas promessas, e selam o pôr do sol com beijos. Esses tal beijos de vampiro, que sugam e resgatam toda aquela melancolia de quem amou e foi torturado pelo destino, mais uma vez. E o ciclo vicioso recomeça, até que a morte os separe. Separe a fantasia do real, o céu do inferno. Para que não existam tantas guerras entre os sonhos da madrugada e os pesadelos de olhos abertos.

02.02.12