domingo, 12 de outubro de 2014

Prólogo íntimo

Água cristalina. Vazio completo no vidro transbordado de indecisão e gelo. Me inundei de ti, encheu, molhou, secou. Não havia mais motivos para deixar o rosto emerso, embaixo d'agua não se sente a pele, as lágrimas e o desespero de nao sentir é substituído pelo de não conseguir respirar. Eu sei tanto de ti, e dei tanto de mim.

Onde está, minha menina?

Onde, não sei, flutuei, afoguei, enxuguei, e agora eu me permito deixar cair, umedecer e desmerecer todas as forças, todos os erros e toda a perfeição que eu busquei, não há mais. Pois houve muita, foi a perfeição em forma de cabelos escuros. Mas não há motivo mais para deixar emudecer algo belo, ou prospera ou morre. Para coisas perfeitas não deve haver o morno antes do frio, é fogo ou gelo. Essa foi a imensa desvantagem de ter tido a doçura em minhas mãos, ela não se desgasta, simplesmente se amarga e fere o tato, sem prévias gotas de amargura.
Foi simplesmente mergulhar para não ter tempo de voltar à margem, a maré subiu e transbordou. Como pedras veio a clara verdade, e nos afogamos. Batemos contra as rochas. Não me deixe com aquela rosa do ano retrasado, nem com o medo. Perdoe minha insegurança que - para ser segura - desbotou em não querer mais, largou as pontas e deixou a onda levar tudo. Porque tudo, de tão amável, foi tão leve, e o abstrato foi fazendo-se concreto como o nó na garganta, e a agua salgada que adentrou os pulmões. Morte. Íntima.

Foi como um estouro esbranquiçado, que aos poucos foi contrastando a dor. Mas nunca foi aos poucos a perda do que foi sentir, porque sempre leviano, da mesma forma que invadiu, recuou, sem prólogo. Como um poema apaixonante que não se faz de premissas e sim de rimas que se constroem e se destroem ao final. Coisas assim não merecem títulos ou nomes, apenas se acabam no fim da página, no fim da sílaba rimada e o poema se perde por si só. Pois sempre foi completo por si só. Não houve razões ou indícios, sempre foi e sempre há de ser, só não mais aqui dentro.

Água cor de céu quando chove, houve muita precipitação e quando desabou foi-se por inteiro. Deixe fluir a tempestade, limpar, abrir o tempo de quando era o bastante, agora tudo se esvazia.

Desculpe pela perfeição e pelo cuidado, aqui eu me permito errar, mas coisas assim - tão perfeitas por si não se deixam enganar, acabam tanto quando começaram: sem nunca ter início ou fim. Isso tudo nunca vai merecer uma espera ou esfriamento, ele apaga como o fogo sob a água.
Fim da página.