sábado, 19 de abril de 2014

Morte - de algo de dentro do corpo

Quando a flor cai e despedaça-se em plena consciência de não saber mais ser, nem ouvir, nem ver a voz do outro. Quando o espinho crava fundo e tem-se a certeza de não ter mais o toque, os olhos, e a respiração dele em mim.
Nessa época de ventos gelados e secos galhos de desesperança, o inverno não mata as flores, mas sim os seus perfumes e assim se desfaz um sofrimento e desencadeia um cheiro frio, brando, que entra pelos casacos de lãs e traz uma lembrança. E essa mesma entra por entre nossos punhos fechados e navega entre o sangue até o coração. Coração esse que tanto dói, um diagnóstico quase físico, quase corporal. Quando o corpo estremece em si só pela dúvida ou pela certeza de não vê-lo, de não tê-lo para si, como a voz, e o ser dele, o nosso ser transbordando com outro.
No mesmo instante em que o verão vívido acaba com o amor congelado pelo tempo, acaba-se as palavras, e a voz se despede dos olhos, que tocam as mãos e dão-se adeus.

Cumprimentam-se então, o inverno e a nossa nostalgia, os novos olhares, e novas vozes, que mesmo aquecidas, mesmo perto, mesmo no pé do ouvido, a falta dele ainda traz arrepios congelantes. Tiritante então se faz uma saudade que começa no pé até o último fio de cabelo, pois o cabelo do outro já não está entre os dedos seus, nem o meu em seu rosto. Quando a cabeça estava em seu peito, tudo que era neve se derretia.


E então tudo se resfria e se trancafia dentro de mim, onde havia uma aliança, agora já gelo e calos. Fios de cabelo que não se prendem no coque caem no meu rosto e trazem algo mais do que a fragilidade deles, trazem a minha. Que eu percebo logo se hospedando debaixo do peito e perto dos olhos, bem onde as lágrimas escorrem. E essa fragilidade fica, e se faz relicário com a saudade de quando meu corpo era forte para suportar qualquer temperatura. Agora qualquer vento pós-chuva derruba-me de joelhos. E eu caio junto a flor que se despedaça em plena consciência de não ter mais a sua voz. Saudade é longo dia de inverno, quase que uma morte - de algo de dentro do corpo.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Relato ao amanhecer

Sempre desconfiei que tivesse uma ponta de depressão pelo simples motivo de não viver, só fazer planos, e esperar as estações e querer que o tempo voe! E notadamente eu me arrependerei de todos esses pedidos ao tempo, não o tempo do relógio contado, mas esse tempo nosso, que um dia é horas e uma saudade é um ano inteiro. Uma madrugada vira o mês que vem, com todos os dias intermináveis de medos e despertadores.
 Fui tantas vezes água corrente, calma, o rio fluindo junto com a primeira palavra do dia, que me desacostumei a ir contra a maré. A virar espuma quando bate contra as pedras, a virar gotícula quando quebra, e cada gotícula teria muito mais força do que eu tenho inteira. Porque cada gota de mim não é de sal, nem doce, é de querer o tempo, mas sem tê-lo.  Porque quem tem tempo de apreciar o pôr do sol, tem tempo de sobra, e tempo de sobra me mata, me mastiga e eu já não penso, enlouqueço. Tempo de conversar assuntos vazios já nos tiram tempo de conversar com os pássaros que voam de dentro da gente pra folha, pros caminhos entre as letras.
Desconfio que esse respirar gelado, as mãos apertadas de não saber o que fazer com tanto tempo, virem em pó de tanto o apertar, em migalhas cai nos meus pés o único tempo que tive para meus olhos e o odiei. Porque meus olhos não exprimem coisa alguma quando não estão pulando pelo relevo de uma letra solta. Quando a encontra e a junta, a espreme e essa vira “saudade”, “choro”, “chuva”, “medo”.
Desconfiei de não ter sonhos, e quando sonhei fui morta no primeiro pedido de tempo pra pensar. Porque nunca pensei, e outros desconfiaram porque era ela que só indagava, agora quer pensar sobre si mesma, que estranho! Que terrível!

Porque eu sempre desconfiei que estava errada, mas na realidade do vento, o tempo é o meu martírio quando se arrasta a cada manhã. E na verdade, eu sempre serei onda leve, que ao invés de quebrar vai até a praia e revolta-se, trazendo o repuxo muito mais forte quando ia, trazendo o seu tempo perdido.