quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Os dias de verão não têm cheiro

 Não há cheiros em dias cheios, em dias preenchidos de vozes e diálogos, não há cheiro entre sala lotada, cortinas abertas e dias de verão. Só há cantarolar. Não existe um instante para se sentir cheiros e beijos, não há quase que nada dentro de um dia preenchido de ruas e passos, falta de tempo e começos. Não se sente cheiro de corridas na avenida, ou de árvores quando não se olha para cima, para o céu, não se pode olhar para o céu em dia de verão.
Há cheiros em dias frios, em dias de chuva, em dias de calmaria, há cheiro no abraço. Na despedida muda, no último beijo, e fica o cheiro na roupa, nos braços e na boca. Se sente o cheiro de uma palavra calma, ao abrir a porta, ao recomeçar. Se sente cheiro na primavera e no inverno. O outono não exala perfume, exala um desespero igualável ao de um dia vazio, solitário, e aí sentimos o cheiro quando abrimos a janela. Para a face quente do rosto sentir o vento frio, abrigar o cheiro de medo, de angústia. Porque sentimentos vazios não tem perfume, somente os que apertam a garganta e soltam borboletas no estomago. As rosas tem perfume porque ferem, e a perda tem um cheiro tão convidativo para uma noite de lamentos.
Nada que trancafia tem cheiro, nem um lugar, nem ninguém, nem nossa casa quando se torna prisão. E quando o amado se torna prisão, não exala mais perfume, mas sufoca.

E eu amei, corri, desejei, e nunca senti um cheiro tão forte quando sozinha, fora de casa, fora do meu amor, fora de mim, assim quase que no claro tão cego. Um cheiro do abraço quando se está indo embora, antes de trancar a porta no inverno e rapidamente trancá-la por toda a estação. Mas guardei os cheiros. Nossos cheiros, o perfume de quando recomecei contigo, quando mudei, quando me transformei em rio, quando vi calmaria. No instante dentro do outono, porque no verão não há cheiros, em contradição eterna, me sinto mais aquecida no teu perfume durante o inverno.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Dois

Círculo ferrífero em volta dos dedos, e leves laços que juntam nossas mãos. A uma distância segura de quase morrer de saudade e não ser o bastante pra deixar fluir. Foi quase isso que tentei montar e remontar, e remontar. Mas tropecei nos últimos meses, e me desculpe pela falta de delicadeza. Mas tudo amorneceu, e esfriou rápido demais. Ouvir tua voz e acabar sem dizer ‘’boa noite’’ é a coisa mais fácil do mundo. Pelo contrário, olhar nos teus olhos dizendo que não dormi bem noite passada por causa tua é mortificante. Não pelo fato de não dormir, tenho insônias muito maiores que um dia inteiro, mas porque depois dessas palavras vêm aquelas que ninguém quer ouvir, e nem eu queria te dizer.
E eu me recuso a cada instante interminável de olhar para trás. E tu te atreves a querer montar um futuro, mas pra mim já faltam tantas peças neste quebra cabeça! E quebrou, literalmente, cada parte que eu não senti hoje, e foi variando, entre olhos, boca, sorriso e mãos. Mas o círculo ainda está em meus dedos, só que o teu laço virou nó. Inúmeros nós, nos dedos, na garganta e esse nós na gente, que faz tempo que eu aperto o meu, mas tu não o seguras firme. Pois são dois laços, pra duas mãos, mas em uma curva.

És sobre ti, não sobre mim, que eu penso e repenso, mas é em mim, e não em ti, que eu sinto falta.

Procurei, incansavelmente, as tuas mãos, teus olhos, tu. Em mim, no meio do caminho, no banco da praça, e no ano passado. Achei. Nos primeiros dias de primavera e nos últimos de inverno. Apenas. Onde estás tu agora?


Onde que eu encontro o nosso laço de novo? 

domingo, 3 de novembro de 2013

Duas

Foi pétala que despencou, sem meus dedos apertarem a sua mão. E nos deixamos ir longe demais por uma flor que faleceu. Discretamente dizemos adeus todos os dias, e a cada pétala se vai uma pequena dor e uma pequena consideração do quanto foi amor e do quanto foi paz. Do quanto se fez noite, fizemos a noite de um dia ensolarado e o quanto iluminamos as manhãs frias. Talvez tenha sido essa inversão falsa e frenética que nos fez despercebidamente não despertar em um amor que fraquejou, mas sim essa paz que apedrejava cada lábio nosso.

Cada lábio que salpicado de lágrimas abriu-se sorriso. Tantas palavras e tantos olhares pra tão pouco se fazer. A respeito da pétala, fui eu que arranquei a primeira, e assim você a segunda. Brincando de “mal me quer, bem me quer”, ficamos com o mal disfarçado de efêmero.

Por que você, por que não eu?

Porque é doce, cada parte de ti, cada esverdeado das mãos é em paz que segura as minhas. E essa segurança talvez não seja minha, mas sua. Talvez essa monotonia que de tanto pingar esgotou, ou transbordou. E eu precisava de uma ou de outra, sem flutuar. Afoguei todas as rosas, deixei-as encharcadas, mas pelo menos se sabiam de tal modo. E eu não sabia nem de mim, não acreditava nem no “boa noite” e o beijo na testa. Nem em qualquer pétala de bem me quer. Elas não me queriam. E nem nós dois sabíamos o bem que queríamos, ou o que não queríamos, para evitar qualquer mal entendido. Nos beijamos. E então cada pétala se refaz e remonta uma rosa escrita em lápis cor de rosa.


Mas o papel molhou, e apagou a rosa, e apagou a gente.