Não há cheiros em dias cheios, em dias preenchidos de vozes
e diálogos, não há cheiro entre sala lotada, cortinas abertas e dias de verão.
Só há cantarolar. Não existe um instante para se sentir cheiros e beijos, não
há quase que nada dentro de um dia preenchido de ruas e passos, falta de tempo
e começos. Não se sente cheiro de corridas na avenida, ou de árvores quando não
se olha para cima, para o céu, não se pode olhar para o céu em dia de verão.
Há cheiros em dias frios, em dias de chuva, em dias de
calmaria, há cheiro no abraço. Na despedida muda, no último beijo, e fica o
cheiro na roupa, nos braços e na boca. Se sente o cheiro de uma palavra calma,
ao abrir a porta, ao recomeçar. Se sente cheiro na primavera e no inverno. O
outono não exala perfume, exala um desespero igualável ao de um dia vazio,
solitário, e aí sentimos o cheiro quando abrimos a janela. Para a face quente
do rosto sentir o vento frio, abrigar o cheiro de medo, de angústia. Porque
sentimentos vazios não tem perfume, somente os que apertam a garganta e soltam
borboletas no estomago. As rosas tem perfume porque ferem, e a perda tem um
cheiro tão convidativo para uma noite de lamentos.
Nada que trancafia tem
cheiro, nem um lugar, nem ninguém, nem nossa casa quando se torna prisão. E
quando o amado se torna prisão, não exala mais perfume, mas sufoca.
E eu amei, corri, desejei, e nunca senti um cheiro tão forte
quando sozinha, fora de casa, fora do meu amor, fora de mim, assim quase que no
claro tão cego. Um cheiro do abraço quando se está indo embora, antes de
trancar a porta no inverno e rapidamente trancá-la por toda a estação. Mas guardei
os cheiros. Nossos cheiros, o perfume de quando recomecei contigo, quando
mudei, quando me transformei em rio, quando vi calmaria. No instante dentro do
outono, porque no verão não há cheiros, em contradição eterna, me sinto mais
aquecida no teu perfume durante o inverno.