sábado, 28 de abril de 2012

Pequenina dourada


Era feita de céu e mar, enlaçada pelo pôr do sol, e exalava em cada voejar gotas de promessas, e desilusão, imbuída de cores mórbidas, expressava arco-íris. Eu já expresso luar, e depressão existencialista, não reflito e não escrevo. Nem relatei outros caminhos da borboleta que pousou em minha alma. Em todas essas epístolas de melancólicas fatalidades sobre as flores, eu encontrei tal borboleta. E como eu, escrevia sangue, cheia de colorido só enxerga preto e branco. O branco se ressalta, num salto, pois a neve tem a cor de minha pele. E meus olhos pesados caíram e feriram a borboleta. Pobre borboleta largada ao mármore, que tanto voejou, juntou-se as folhas secas que se findam junto ao outono. 
Veja a borboleta admirando a vinda do inverno, tão mórbido e cinzento inverno. Banha os dias de azul celeste, e repinta as paredes. Essas paredes onde a borboleta passou a noite. E eu afaguei suas pequeninas asas machucadas, ensanguentadas. Aonde vai borboleta? Desista da ponta quebrada do lápis, deixe os rascunhos se escreverem sozinho, pois eu já não olho para o céu, nem rezo aos mortos. Tão sortudos mortos. Vá borboleta e encontre-os, encontre qualquer alma penada desde que ame um buquê de flores e seja perfumado. Perfuma-te pequenina dourada, não deixe o cheiro de chuva impregná-la, como impregnou a mim.
Já imbuída de inverno, estou aos prantos, e veja meus olhos secos, brilhantes castanhos escuros... A noite está esbelta para um baile de masoquismo e libertinagem. As estrelas se escondem, e a borboleta está no canto da parede esbranquiçada. Dialogo com os porta-retratos, e conto de minha borboleta, que tanta sorte tem por viver somente enquanto as cores de suas asas são vívidas. Pois as minhas desbotaram, meus olhos congelaram castanho opaco. A borboleta era azul, preta e dourada.

segunda-feira, 23 de abril de 2012


Esta noite dialoguei com as paredes, trancafiei o amor dentro do armário, mas o cheiro de verão passado invadiu o refúgio. Por outrora eu sorria primavera e colhia flores, arranquei-lhe os botões. E a noite esfriou, estas vozes ecoavam medo e o tagarelar da coruja costumeira em minha janela estonteou os pensamentos. Pássaro perdido esse meu ímpeto masoquista, meio gelo, meio pedra. O diálogo impregnou a cama, os lençóis sujos enrolaram, enlaçaram, toda a minha vontade de amanhecer. E madruguei.
Guardei meus relicários de eufemismo e delicadeza, deixei a melancolia ao mármore. Mas os gritos estridentes cerraram meus olhos, a caneta ardeu ao relatar no papel, chore, corra, o amor trancou-se no guarda-roupa. E eu virei mofo, enfraqueci no frio. E o amor retumbou pela orquestra que morria. O diálogo ensurdeceu. Mudo. Para onde voejou a coruja? Fugi, trancafiei-me no armário com o amor falecido. 

sábado, 14 de abril de 2012


Capturei as luzes da noite, o asfalto brilhava como meus olhos enquanto a chuva molhava minhas mãos, e a formidável noite se apresentava como boa senhora. Eu choramingo toda vez que avisto as estrelas, tão solitárias, tão perto do abismo infindo de emoções vagas e o vazio repugnante, tão eu. E eu quero trancafiar nesse quiriri toda minha fadiga de ser, quero chover, quero melancolia, quero as gotas de chuva dependuradas nas folhas esverdeadas. Porque o verde despedaçou, minhas mãos roubaram o brilho da noite, e eu tranquei a lua. Deixei na minha cabeceira, para adormecer com o crepúsculo e guardar teu olhar sombrio. 
Me fiz de criança, quando por outrora capturei as luzes que ofuscavam, os pequenos vaga-lumes exalavam uma dor efêmera e eu já não chorava, apenas olhava a tempestade invadir as janelas. Os vidros quebradiços não seguravam meus medos e meus sonhos tornavam-se reais, as folhas amareladas viviam e o sol já era  meu... E não és mais meu, não tenho mais a minha lua cintilante, onde estão as rosas molhadas e as folhas esvoaçantes? Onde está a criança feita de cacos de vidro? E o seu coração de cristal? Foi lançada as borrascas, pois sempre pertenceu à tempestade noturna, e nunca houve brilho maior em seus olhos. Morreu ao olhar para as estrelas.
E para levar ao seu mármore guardei as rosas mortas, a noite ofuscante, e o robusto manto de desespero que a chuva despeja. Atirei pedras e guardei rancores de criança. E como criança não erro como estações passadas, não olho pra fora da janela, não sou criança. Sou a noite, sou a morte de uma alma tão ingênua quanto essa chuva com gosto de saudade. E como um anjo caído roubei a rua dos sete palmos abaixo de terra virgem, capturei as luzes da chuvarada, e a brisa gelada me despertou. Acordei com os pingos temerosos em minha janela, abri-a para me perfumar da manhã choramingante, e me esqueci... Não sei mais interpretar a chuva através da janela.

domingo, 8 de abril de 2012


O céu tomava uma cor ensanguentada, e as nuvens coravam-se por vergonha do lago abaixo, que refletia pureza e brilho que eu nunca havia visto. E eu chovia, morria, corria e sorria. Mas já não sorrio mais. Veja, o lago está transparente e derrama essa melancolia que veio com o abril, tão chuvoso e dantesco abril. O lago está cor de laranja tardezinha, mesma cor do pôr do sol. Coincidência eterna. Este relevo de torturas e maravilhas, que oscilam enquanto o sol morre. Tão bela morte. Que frieza desta noite deixar os pesadelos escancarados, como é eufórica a morte do astro maior, e dantesca seu velório na madrugada gritante. 
O lago estava escuro, seu contorno acompanhava a onda vermelha nuveada, e alaranjado jorrava dores e clamores. E eu vejo as gramíneas correndo e os pássaros batendo asas em desespero, como eu seguro o choro e prendo os pés ao chão firme. Força, garra, ansiedade. Essa ânsia de querer voejar e só sussurrar, de querer saber e só reconhecer, de querer chover e só pingar, de querer trovejar e só apedrejar. De querer se pôr e só morrer. E só faleço, só deixo, só aguardo. Nesse ímpeto de querer vivenciar e admirar, viro lago e só reflito, só fico meio cor de de laranja tardezinha, e morro. 
Porém eu sei ser lua, sei anoitecer, sei refletir a escuridão. Sei choramingar. Sei imbuir a água de culpa, para que a alma chove e lave. Porque minha cachoeira secou, pelo medo avulso do breu, pelo tiritar da pele ao mármore gélido. E minha alma está maltrapilha, não se purifica santo quebrado. E na beira do lago, o coração transformou-se em cor de cinza noitecer, congelou os olhos. Fraquejou o pulso, está escuro, está doendo. E virou lua, ao velório do sol, existiu em contorno do lago com a nuvem avermelhada, sangrou. E jogou-se, afundou no lago em busca do pôr do sol, da morte, da noite. Morreu sendo lua.