sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sete cigarros

Confundiu-se, atrás da fumaça de uma calma fingida, o buraco da parede esbranquiçada com a borboleta que veio me contar que a tempestade havia passado por ora.
Mas não era a borboleta, nem asas coloridas, era um nada, uma névoa que se fez para confundir calmaria com felicidade. E o buraco na parede era de mim, da minha própria vontade de ser rígida. Pois não sei ser outra coisa que não onda quebradiça, tal a fumaça do cigarro se desfaz sobre o cinzeiro.

O reflexo do espelho com a porta entre aberta era assustador, como o contorno do pescoço transmite a exaustão de viver e se mistura com o contorno do céu aberto, vazio. O formigamento das mãos a incomodava e torcia os pulsos para deixar vazar a angústia de querer ir embora. Esperava que com o cessar da chuva poderia partir, mas não houve forças nem para juntar as roupas na mala, a única coisa que havia na bolsa vazia era o medo de mudanças inevitáveis, pois haveria de trocar as estações.
Os quadros tortos na parede conversavam com ela sobre a fuga da outra noite, que não sucedeu, pois a borboleta na parede avisou-a de que iria trovejar. Fotos rasgadas e impregnadas pela raiva de não ter mais o vínculo antigo estavam atiradas na cama junto ao cinzeiro, sete cigarros apagados e os papéis em brancos. Se esses pudessem gravar qualquer pensamento teriam muitos lamentos e gritos, mas é preciso que a tinta machuque o papel para que ele relate histórias de um começo de noite.

Mas então percebi que não era uma borboleta, e sim uma cigarra cantarolando e debochando dos meus cigarros acabados e do meu medo. Pois a tempestade não havia nem começado, fazia calor até, meus olhos doídos que pensavam ter visto trovões no céu, e eu pensei ter visto um sorriso no espelho. Mas era uma rachadura. O buraco na parede não era nada além de mim mesma querendo ver flores no lugar de folhas secas, não era nada além de mim querendo ser dura. Porque eu sempre fui a onda do rio calmo que flui, mas cada canto de mim sabe bem que não há calmaria em rios, há abismos escuros e por isso não se vê tal confusão.
E então a cigarra cantou em si menor que não houve tempestade e que a porta estava aberta para eu sair com a mala vazia. Mas eu nem me movi.

Os olhos estavam pesados demais e as mãos se contorciam para disfarçar o formigamento, e então ela caiu no chão com o cigarro pela metade e deixou o quarto inundar-se por ondas escuras do rio que se fez mar (ou oceano) e ondas gigantescas a jogaram nas paredes. Assim era no seu íntimo, um redemoinho no fundo do rio a jogando para todos os lados – mas na superfície se fez silenciosa.

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